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Braga Netto vê o cerco se fechando no caso da tentativa de golpe

Emparedado pela Polícia Federal, general se encontra indisposto com o Exército e convivendo com o fantasma da prisão

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 17h02 - Publicado em 5 abr 2024, 06h00

Walter Braga Netto tinha 7 anos de idade quando o Exército depôs o então presidente João Goulart e deu início a um dos mais sombrios períodos da história do Brasil. A ditadura sufocou oposicionistas, censurou a imprensa, torturou e matou adversários. Quase seis décadas depois, o ex-presidente Jair Bolsonaro e um grupo de militares de alta patente, segundo a Polícia Federal, se articularam para tentar mais uma vez subverter a democracia. O plano não deu certo, mas se tivesse avançado as eleições de 2022 teriam sido anuladas, Lula seria impedido de tomar posse, Bolsonaro continuaria no poder e medidas de exceção decretariam, entre outras coisas, a prisão imediata de ministros do Supremo Tribunal Federal e do presidente do Congresso. O general Braga Netto é apontado como um dos líderes dessa conspiração. Além de incentivar, teria sido encarregado de mobilizar os quartéis para angariar apoio ao que foi descrito pelos investigadores como a fase de preparação para um golpe de Estado.

Ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro, o general foi alvo de uma operação de busca em fevereiro. As investigações ainda estão em andamento, mas, para a polícia, há indícios que demonstram a efetiva participação dele na trama. No dia 27 de dezembro de 2022, por exemplo, Braga Netto trocou mensagens com Sérgio Cordeiro, então assessor do presidente da República. Cordeiro queria saber para quem poderia encaminhar o currículo de uma mulher que pretendia trabalhar no governo. “Se continuarmos, poderia enviar para a Secretaria-Geral”, respondeu o general. Faltavam quatro dias para a posse de Lula. A PF deduziu que, ao considerar a possibilidade de “continuarmos”, Braga Netto deixou claro que ainda havia a expectativa de uma reviravolta, de Bolsonaro continuar no Palácio do Planalto. “Os investigados ainda estavam empreendendo esforços para tentar um golpe de Estado e acreditavam na consumação do ato, impedindo a posse do governo legitimamente eleito”, diz o relatório policial.

Ex-presidente Jair Bolsonaro coleciona derrotas nos recursos eleitorais apresentados ao STF
TABELINHA – Bolsonaro: trama em sintonia com o seu ex-ministro da Defesa (André Borges/EFE)

No papel de mentor do golpe, Braga Netto também teria promovido uma reunião em sua casa, onde teria sido discutida uma maneira de financiar o deslocamento a Brasília dos chamados kids pretos, militares das Forças Especiais do Exército especialistas em guerras não convencionais. Os convivas presentes teriam analisado a logística necessária para custear a tropa que supostamente daria apoio à sublevação. Foi depois desse encontro que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, teria estimado em 100 000 reais os gastos de hospedagem e alimentação dos combatentes. Conhecido pela discrição e pelo bom trato, o general não poupava os colegas de farda que supostamente estariam se opondo à empreitada golpista. Em uma das mensagens, xingou o então comandante do Exército, Freire Gomes, de “cagão”. Em outra, o alvo foi o então chefe da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Jr., contra quem recomendou “sentar o pau” por ser um “traidor da pátria”. Ele ainda orientou um interlocutor a “viralizar” uma mensagem que registrava que o atual comandante do Exército, Tomás Paiva, “nunca valeu nada” e que parecia que “ele é PT desde pequenininho”.

A PF desconfia que Braga Netto não só atuava em um núcleo organizado para incitar outros militares a aderir ao golpe como tramou intensamente contra a democracia antes, durante e depois das eleições. Por essa razão, o ministro Alexandre de Moraes expediu uma ordem de busca nos endereços de Braga Netto, apreendeu seu passaporte e o proibiu de manter qualquer contato com outros investigados. Há quem diga que a decretação de medidas judiciais ainda mais restritivas é questão de tempo. O fato é que o cerco ao general está se fechando — e ele sabe disso. Intimado a depor, invocou o direito de permanecer calado enquanto não tiver acesso à íntegra do inquérito. Nos últimos dias, Braga Netto tem mantido reuniões intensas com seus advogados e traçado as linhas gerais de sua estratégia de defesa. Ele vai confirmar que comparecia diariamente ao Palácio da Alvorada depois das eleições, mas apenas para consolar o então presidente, abatido com a derrota, e que, nesse período, não participou de nenhuma reunião com militares. Também vai afirmar que nunca houve nenhum encontro em sua casa para tratar sobre kids pretos.

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RETALIAÇÃO - Freire Gomes: o ex-comandante do Exército foi xingado
RETALIAÇÃO - Freire Gomes: o ex-comandante do Exército foi xingado (1SGT SIONIR/Exército Brasileiro/.)

Já em relação às mensagens, Braga Netto pretende confrontar seus colegas de farda, o que pode aumentar a temperatura na caserna. No caso de Tomás Paiva, segundo ele, sua irritação estaria calcada em uma suposta ameaça feita pelo general ao ex-comandante Eduardo Villas Bôas — “uma atitude de caráter pessoal, de extrema desumanidade”, confidenciou ele a um interlocutor, sem revelar maiores detalhes. A fidelidade ao antigo chefe também continua inabalada. Intimados a depor, os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica relataram à PF que, em uma reunião ocorrida no Palácio da Alvorada, o então presidente apresentou medidas para reverter as eleições, o que teria sido veementemente rechaçado pelos dois, inclusive com uma ameaça de prisão a Bolsonaro. Foi esse recuo que teria levado Braga Netto a xingar o colega de farda. Em sua defesa, o general vai dizer que a revolta e os xingamentos aconteceram porque Freire Gomes e Baptista Jr., nos últimos dias de governo, não compareciam mais às reuniões e estavam se recusando a atender às ligações do ex-presidente, o que seria uma falta de respeito. Dependendo do contexto, essa revelação do general pode ser usada contra o próprio Bolsonaro.

As mensagens apreendidas pela PF minaram a imagem do ex-ministro no Alto-Comando das Forças Armadas. Uma importante autoridade do governo disse que as declarações do general “agrediram” todo o Exército, o que acabou ajudando o esforço dos atuais chefes militares em descolar a instituição dos episódios recentes. “O Braga Netto tirou a suspeição do CNPJ (Forças Armadas) e colocou um CPF na trama golpista — o dele.” Na semana passada, essa separação ficou clara quando veio a público que um delegado envolvido no assassinato da vereadora Marielle Franco havia sido nomeado chefe de polícia durante a intervenção federal no Rio de Janeiro, em 2018, à época comandada pelo general. Após a revelação, Braga Netto se apressou em dizer que o responsável pela nomeação do policial foi o general Richard Nunes, braço direito do atual comandante que, então, ocupava a Secretaria de Segurança fluminense. Para não deixar a intriga avançar, Tomás Paiva foi ao presidente Lula e ressaltou que qualquer represália contra Richard significaria uma vitória de Braga Netto. No último dia 28, o general, que estava na iminência de uma promoção, foi confirmado como chefe do Estado-Maior do Exército.

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INTRIGA - Paiva: Braga Netto disse que o comandante é “PT desde pequenininho”
INTRIGA - Paiva: Braga Netto disse que o comandante é “PT desde pequenininho” (Pedro Ladeira/Folhapress/.)

Braga Netto tinha apenas 18 anos quando ingressou no Exército. Na época, era proibido falar em golpe e os colégios militares ensinavam aos alunos que a intervenção foi uma “revolução” para impedir que o “comunismo” tomasse o poder no Brasil. Ele construiu praticamente toda a carreira dentro do ambiente democrático, inclusive atingindo o topo do oficialato durante os governos petistas, promovido a general de brigada pelo presidente Lula em 2009 e, na sequência, a general de divisão e de exército por Dilma Rousseff. Em 2022, o então ministro da Defesa celebrou o aniversário do golpe divulgando um texto em que definiu o movimento como “um marco histórico da evolução política brasileira”. Para a Polícia Federal, não há dúvidas de que ele e o ex-presidente agiram em sintonia. “Nunca ouvi nada sobre golpe, nunca existiu isso. A sensação é que começaram a montar a casa pelo telhado e agora querem achar as paredes”, disse o general a um interlocutor. Difícil acreditar em suas palavras. Para a polícia, a casa foi, sim, toda montada — e agora caiu.

Publicado em VEJA de 5 de abril de 2024, edição nº 2887

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