Brasil que vai às urnas neste domingo tende a confirmar força da centro-direita
Após uma eleição de ruptura em 2016 e outra sob a pandemia em 2020, a votação deste ano caminha para cenário mais conservador e pragmático
Nas eleições municipais de 2012, o Brasil que emergiu das urnas era um pouco inclinado à esquerda: PSB, PT, PSDB e PDT levaram nada menos que dezesseis das 26 capitais. Logo depois, tudo mudou. Os grandes protestos de rua de 2013, o impeachment de Dilma Rousseff, o furacão da Lava-Jato e a ascensão do antipetismo transformaram o cenário. Tanto que o sentimento de mudança que se espraiou pelas cidades fez com que em 2016 apenas 48% dos prefeitos conseguissem renovar seus mandatos, a menor taxa de reeleição da história. De lá para cá, o comando das grandes cidades foi indo cada vez mais para as mãos de partidos tradicionais de centro-direita. Na disputa deste ano, o grande volume de pesquisas eleitorais já permite apontar, antes mesmo da votação, que o Brasil que vai às urnas é mais conservador e pragmático, bem diferente daquele país que abraçou a ruptura em 2016.
O principal termômetro do sentimento que move o eleitor é o da tendência à reeleição. Segundo as últimas pesquisas, dos vinte prefeitos de capitais que vão tentar novo mandato, nada menos que dezoito chegam à reta final da campanha em posição competitiva — onze deles podem ser reeleitos ainda no primeiro turno (veja o quadro). Além das já tradicionais vantagens que um prefeito-candidato possui, como a exposição pública, o exercício diário de poder que permite ampliar as relações políticas e comunitárias e o uso da máquina, conta a favor dos atuais mandatários a boa avaliação que a população faz de suas gestões. Campeões de voto como os prefeitos João Campos (Recife), Bruno Reis (Salvador) e Antônio Furlan (Macapá) têm taxas de aprovação superiores a 80%, o que é um grande trunfo em uma eleição que tem como maior característica o espírito plebiscitário do eleitor — se foi bem fica; se não foi, sai.
Outra certeza do atual processo eleitoral será a consolidação dos grandes partidos de centro-direita. Projeções mostram que PSD, MDB, PP e União Brasil travam uma disputa para ver quem sairá com o maior número de prefeituras. Se o desempenho dessas siglas já não é novidade em relação a 2020, chama a atenção agora a performance do PL, que deve conquistar um bom número de gabinetes e levar a balança de poder nos municípios um pouco mais para a direita. Nas capitais, os partidos que têm mais candidatos liderando são o PSD (sete), o PL (seis), MDB e União Brasil (ambos com cinco). Ao considerar todos os 103 locais com possibilidade de segundo turno, que representam 40% do eleitorado total, União Brasil (líder em dezoito cidades), PL (dezesseis), PSD (catorze), MDB (doze) e PP (dez) podem ficar com mais de 70% do bolo.
Um fator que contribui para o fortalecimento da centro-direita é a engrenagem política do país, que retroalimenta quem está no poder: grandes partidos têm mais deputados, com isso têm mais fundo eleitoral e mais tempo de TV e, por isso, elegem mais deputados. Não à toa, cinco das seis maiores bancadas da Câmara são de partidos que estão do centro para a direita — a exceção é o PT. “A centro-direita será a vencedora incontestável destas eleições, sustentada por partidos que recebem amplas fatias do fundo eleitoral e firmam alianças com as forças políticas locais”, diz Murilo Hidalgo, CEO do Instituto Paraná Pesquisas. Grandes bancadas ainda têm mais poder de fogo para conseguir e distribuir emendas pelo país. “As lideranças da Câmara inundaram de recursos os caixas das prefeituras, o que favorece muito a imagem dos candidatos à reeleição e seus aliados”, afirma Cila Schulman, CEO do Instituto Ideia. Esses partidos ocupam o vácuo deixado por outras forças que estão em baixa. “O PSDB sairá da eleição bastante diminuído. E quem cresce, quem ocupa seu lugar, é essa direita tradicional”, aponta o cientista político Antonio Lavareda, do Ipespe.
Terminadas as eleições de 2022, os dirigentes e estrategistas do PT e do PL ecoaram a tese de que seus principais líderes, Jair Bolsonaro e Lula, seriam os grandes cabos eleitorais do pleito municipal. Mas isso, a rigor, não ocorreu. Embora o PL e PT apontem para um desempenho melhor do que em 2020, quando ambos não elegeram ninguém nas capitais, os dois extremos da polarização não foram os maiores personagens das eleições nas cidades. Quem ocupou o espaço de grandes cabos eleitorais foram os governadores, que arregaçaram as mangas para tentar eleger seus candidatos nas capitais, algo que nem sempre é fácil. Todos os dez governadores com maiores aprovações, segundo o ranking AtlasIntel, têm aliados competitivos, sejam eles de direita — como Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina —, de centro — como Helder Barbalho (MDB), do Pará —, ou de esquerda, como Rafael Fonteles (PT), do Piauí.
O desempenho nas urnas dos principais partidos e seus caciques será decisivo para 2026. Nomes como Ronaldo Caiado (Goiás) e Ratinho Junior (Paraná), ambos de partidos de centro (União Brasil e PSD), devem eleger um grande número de prefeitos em seus estados e levar no mínimo seus candidatos nas capitais ao segundo turno. Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) se tornou o principal fiador de Ricardo Nunes (MDB). Os três governadores são cotados para uma candidatura presidencial, e o capital político vai depender do que sair das urnas neste ano. Para aumentar sua influência, muitos governadores populares atraíram forças locais dispersas em seus redutos, principalmente de partidos que perderam relevância. “As máquinas estaduais conseguiram arregimentar lideranças regionais para a disputa de prefeituras estratégicas”, diz o cientista político Murilo Medeiros. Uma maior capilaridade obtida pela centro-direita neste ano vai se refletir na próxima composição da Câmara e do Senado. “O centro costuma ser vitorioso nas eleições municipais, o que indica a manutenção da força para as eleições para o Congresso daqui a dois anos”, defende Baleia Rossi, presidente do MDB, que acredita que a chave do sucesso do partido é manter o seu perfil “municipalista”.
Um fator importante para o retrato político que emergirá das urnas é, claro, o eleitor. E ele mudou muito desde 2012. Em doze anos, o país envelheceu (veja o quadro). O brasileiro de 35 a 64 anos representa agora a maioria do eleitorado (52%). A participação do votante com mais de 65 anos subiu de 11% para 15%. “Em pesquisas, o eleitorado mais idoso tende a ser mais favorável a candidatos conservadores”, avalia Cila Schulman. Com isso, cresce a preocupação com o cidadão de mais de 70 anos, que não é obrigado a votar. “A incerteza em relação ao comportamento do eleitor facultativo, que muitas vezes decide no próprio dia da votação se vai comparecer, é o fator que mais causa ruído nos levantamentos eleitorais”, pontua Murilo Hidalgo. Os brasileiros estão também mais escolarizados: o percentual de quem tem ensino superior completo foi de 4,3% para 10,7% do total. Outra transformação importante é a expansão evangélica (leia a reportagem na pág. 28). “Entre eles, predomina a tendência ao conservadorismo nas pautas de costumes, como aborto e drogas”, relembra o cientista político Alberto Almeida.
Os pesquisadores costumam dividir as eleições entre as “críticas” e as “normais”. As primeiras pressupõem um contexto instável, como foi o de 2016. Em 2020, tudo indicava uma volta à normalidade, não fosse a crise sanitária. Sem tanto corpo a corpo, a campanha teve um calendário incomum e os eleitores avaliaram nas urnas as gestões sob a régua da pandemia. Superadas as excepcionalidades, perde espaço o radicalismo. O buraco na rua, os serviços públicos e a capacidade de gestão dos candidatos voltam a se tornar as principais pautas da campanha. Que no domingo, 6, saia um Brasil melhor disso tudo.
Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2024, edição nº 2913