No fim do primeiro turno, além de obter uma votação acima das previsões dos principais institutos de pesquisa, Jair Bolsonaro demonstrou uma boa capacidade de transferência de prestígio aos políticos apoiados por ele em alguns pleitos estaduais muito relevantes. Em três dos cinco mais importantes colégios eleitorais que terão disputa no segundo turno, os candidatos do Palácio do Planalto terminaram na frente e seguem como favoritos na reta final. Esses apoios garantem ao mandatário palanques fortes na campanha nacional daqui por diante, algo essencial dentro da difícil tarefa de tentar virar o jogo contra Luiz Inácio Lula da Silva.
Na estratégia de investir pesado para fazer boas alianças regionais, aliás, o presidente acertou em uma de suas maiores e mais ousadas apostas, a de convocar o ex-ministro Tarcísio de Freitas para brigar pela disputa por São Paulo. De forma surpreendente, o político carioca que era estreante em disputas do tipo chegou na frente de um estado com tradição de rejeitar esse tipo de novidade, deixando em segundo lugar o petista Fernando Haddad e tirando do páreo o tucano Rodrigo Garcia, que contava com a máquina pública do Palácio dos Bandeirantes, onde o PSDB reinava absoluto por quase três décadas. De quebra, o estado elegeu para o Senado outro estreante em campanhas, o ex-ministro Marcos Pontes.
As pesquisas de segundo turno confirmaram o favoritismo de Tarcísio e, mesmo entoando uma espécie de bolsonarismo light, ele não deixa de defender o presidente e as bandeiras caras ao capitão, incluindo as promessas de grandes obras de infraestrutura e ações populistas na área de segurança pública, como o fim das câmeras que filmam as ações de PMs, a pretexto de não inibir o combate ao crime. Trata-se de um argumento bastante questionável, mas que tem um alvo certo, o eleitorado de direita, sobretudo o do interior paulista, tido como mais conservador. “A eleição mostrou a força do bolsonarismo”, comemorou Tarcísio no fim do primeiro turno.
O apoio do presidente produziu efeitos semelhantes no Rio Grande do Sul, onde Onyx Lorenzoni, um dos mais antigos colaboradores do capitão, largou na frente do ex-governador Eduardo Leite (PSDB). Em Santa Catarina, outro apoiador fiel do mandatário, Jorginho Mello, obteve mais que o dobro de votos do segundo colocado, o petista Décio Lima, contra quem disputará o segundo turno. Os dois estados, inclusive, foram os destinos escolhidos pelo presidente durante a segunda semana de outubro, quando Bolsonaro visitou Balneário Camboriú (SC) e Pelotas (RS). No Amazonas, o candidato bolsonarista, governador Wilson Lima, também aparece à frente de Eduardo Braga, apoiado por Lula. Se não bastasse, curiosamente, ainda existem estados onde o segundo turno é disputado por dois candidatos que tentam colar suas imagens à do presidente, casos de Mato Grosso do Sul, com Capitão Contar (PRTB) e Eduardo Riedel (PSDB), e Rondônia, com Marcos Rogério (PL) e Coronel Marcos Rocha (União).
De forma previsível, o poder de Bolsonaro como cabo eleitoral não produziu milagres no Nordeste, região francamente favorável a Lula. Nos cinco colégios de lá que terão segundo turno, a disputa é entre um candidato que apoia o petista e outro que se declara neutro na eleição presidencial. A campanha bolsonarista até tentou se aproximar dos que estão em cima do muro — o exemplo de ACM Neto na Bahia é o mais eloquente sobre essa postura —, mas ainda sem sucesso. Do outro lado, Lula reforçou a campanha no Nordeste, com atos públicos em estados em que petistas disputam o segundo turno. “Nós tivemos 13 milhões de votos na região e nosso objetivo é ampliar ainda mais a dianteira, obtendo de 15 a 17 milhões no segundo turno”, afirma o deputado federal e coordenador da campanha de Lula no Nordeste, José Guimarães (PT-CE). A previsão otimista é baseada no fato de que, à exceção de Pernambuco, onde a tucana Raquel Lyra largou na frente contra a lulista Marília Arraes, o candidato apoiado pelo PT lidera a corrida no segundo turno em todos os colégios que ainda não definiram o próximo governador.
A importância dos palanques regionais no segundo turno presidencial se estende aos estados cujas eleições já foram definidas. Bolsonaro conseguiu os significativos apoios dos governadores nos três maiores colégios: Rodrigo Garcia em São Paulo, Romeu Zema em Minas e Cláudio Castro no Rio (os dois últimos reeleitos). Em Minas Gerais, o apoio de Zema é a grande aposta para a virada do jogo no estado. Reeleito no primeiro turno, o mineiro deverá ter a missão de dialogar com as lideranças regionais, como prefeitos e parlamentares. Zema já saiu a campo na defesa da campanha presidencial, aumentando o tom de suas críticas ao PT. O desafio não será pequeno por lá. Bolsonaro perdeu para Lula por uma diferença de 5 pontos porcentuais (48,3% a 43,6%). Em mais uma demonstração de que seu empenho é total na busca de apoios regionais, o presidente abriu as portas do Palácio do Planalto em ato para divulgar o endosso à sua tentativa de reeleição dos prefeitos de Manaus (AM) e Sorocaba (SP).
Como seria de esperar, a campanha de Lula não acompanha de forma indiferente esses movimentos do adversário, sobretudo no campo principal, a Região Sudeste. No fim de semana passado, fez caminhadas que encheram as ruas de Campinas (SP) e Belo Horizonte (MG). Nos dias 11 e 12 o petista esteve na Baixada Fluminense e no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, onde subiu no palanque ao lado de uma frente ampla que inclui os prefeitos Eduardo Paes, do Rio, e Waguinho, de Belford Roxo. A ideia é diminuir a diferença para Bolsonaro, que terminou o primeiro turno no estado com 1 milhão de votos de vantagem sobre o petista. “A adesão dessas lideranças garantirá votos na base ao Lula. São pessoas que estão no dia a dia com a comunidade, que é onde o eleitor se identifica mais diretamente”, aposta o presidente do PT carioca, Tiago Santana. Ainda está nos planos do presidenciável petista voltar ao estado na penúltima semana de campanha, passando pela Zona Oeste da capital fluminense, além de São Gonçalo e Niterói. Na mesma semana, a campanha de Lula ainda estuda visitas a Santa Catarina e ao Amazonas, estados onde candidatos lulistas enfrentam bolsonaristas.
Num segundo turno que promete ser bastante disputado, o esforço nos palanques regionais dos presidenciáveis pode fazer a diferença. Ao mesmo tempo que intensifica a campanha no Sudeste, Lula tenta compensar a desvantagem por ali alargando a dianteira no Nordeste. Um de seus trunfos é Jerônimo Rodrigues, candidato que vem colocando em xeque a pretensão de ACM Neto de acabar com o domínio petista na Bahia. Do lado de Bolsonaro, uma questão-chave neste momento será a efetividade do apoio explícito do governador Zema em Minas, o segundo maior colégio eleitoral do país. “Ele tem sido mais assertivo no contato com prefeitos e os deputados eleitos e isso tende a ter resultado”, afirma o cientista político Rodrigo Prando, professor do Mackenzie. Resta saber se haverá tempo suficiente para produzir a virada sonhada por Bolsonaro no segundo turno.
Colaboraram Sérgio Quintella e Laísa Dall’Agnol
Publicado em VEJA de 19 de outubro de 2022, edição nº 2811