A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse nesta segunda-feira, 5, que o mundo atravessa um momento de mudanças que, muitas vezes, se tornam “perigosamente conservadoras”. Admitindo que as transformações são inevitáveis, ela destacou que a sociedade não deve abrir mão de direitos fundamentais, mas sim lutar para efetivá-los, como forma de promover justiça e equidade social.
“As transformações acontecem. O que não pode acontecer, nunca, é a transformação contrária às liberdades humanas, aos direitos fundamentais”, declarou a ministra ao participar, nesta manhã, em Brasília, de um evento em comemoração aos trinta anos da Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988.
Ao citar o filósofo e político italiano Norberto Bobbio, para quem as sociedades avançadas, no século 21, privilegiariam a efetivação das conquistas sociais em detrimento da luta pela obtenção de novos direitos, a ministra defendeu que cada geração deve assumir o “compromisso” de lutar pela preservação dos avanços fundamentais ao exercício da cidadania. “Porque conquistá-los é muito difícil. Destruir e criticar tudo é muito fácil, mas isso não leva a lugar nenhum”, disse Cármen Lúcia.
Em outro momento de sua palestra, Cármen Lúcia admitiu que, “muitas vezes”, fica “preocupada com as opções feitas” pelo país, embora as respeite como expressão das “escolhas próprias de cidadãos livres”.
Ao término da palestra, a ministra não entrou em detalhes sobre a quais mudanças estava se referindo. “Estamos vivendo uma mudança, não só no Brasil. Uma mudança, inclusive, conservadora em termos de costumes. Às vezes, na minha compreensão de mundo, que pode não ser a correta, [uma mudança] perigosamente conservadora”, disse.
A ministra disse que uma das mudanças verificadas no Brasil desde a promulgação da Constituição foi o fato de os cidadãos passarem a cobrar mais os seus direitos, o que, de acordo com ela, gerou mais trabalho para o Poder Judiciário.
“Ninguém mais quer abrir mão de seus direitos por não acreditar nas instituições. Quanto mais democracia, mais demanda judicial. Normal. Somos nós que temos que repensar o Poder Judiciário para garantir o acesso à Justiça aos cidadãos que ficaram mais vigilantes com os seus direitos”, disse a ministra, lembrando que, atualmente, há cerca de 80 milhões de processos tramitando na Justiça.
Constituição
Para Cármen Lúcia, a Constituição brasileira cumpre um papel importante e nunca foi inadequada. “Ela é a Constituição que o povo brasileiro entendeu de fazer em um momento em que o país saía de uma ditadura”, disse a ministra, admitindo que, ao longo dos últimos trinta anos, o Brasil avançou em termos políticos, jurídicos e sociais.
“Andou, não necessariamente para o que eu, como cidadã, achava que [evoluiria], mas a história da humanidade não avança em linha reta. Ela tem suas ondulações, por ser feita de seres humanos com pensamentos e ideias diferentes. É sobre isto que estamos conversando, hoje, no Brasil”, disse a ministra, pouco antes de acrescentar que as mudanças no mundo do trabalho também vêm preocupando a sociedade e exigindo atenção dos operadores do direito.
Cármen Lúcia disse que se vive, no mundo e no Brasil, um momento em que o trabalhador se desespera ao não ter a garantia constitucional de direito ao emprego e ao trabalho, o que, para ela, talvez, seja a grande mudança.
“Temos respostas velhas que já não necessariamente atendem às demandas dos cidadãos”, disse. “Tenho consciência de que as escolhas mudam segundo aquilo que o ser humano considera ser sua necessidade. A transformação é própria da vida e acontecerá. A mim cabe, como juíza constitucional, como servidora pública, fazer com que a Constituição seja garantida, que aquilo que ela tem de essencial não seja transgredido em nenhum momento, por quem quer que seja.”