Carta ao Leitor: A encruzilhada da direita
Mesmo inelegível e agora julgado por encabeçar uma tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro seguirá sendo uma peça relevante no xadrez de 2026

Segundo muitos analistas, Jair Bolsonaro foi o maior fenômeno eleitoral da história recente do Brasil. Em sua carreira política, que incluiu sete mandatos como deputado federal, nunca se destacou no trabalho parlamentar, exceto pela capacidade de criar confusões e de fazer declarações polêmicas, várias delas chocantes e condenáveis. Surpresa ainda maior foi quando decidiu alçar voo mais alto. Como já confessou em várias entrevistas, nem ele mesmo confiava em chances de vitória quando resolveu se lançar candidato à Presidência pelo PSL, em julho de 2018. Fazendo uma campanha fortemente baseada nas redes sociais, uma novidade para a época, aos poucos foi ganhando força. Passou a ser recebido nos aeroportos com gritos de “mito, mito, mito”. Sobreviveu ainda a um atentado e desmentiu todas as previsões. Diziam que o discurso violento e a pose de outsider seriam fatalmente derrotados no segundo turno.
Essa ascensão foi tão impressionante quanto a queda do capitão, materializada de vez com o julgamento no STF. Ainda que o ex-presidente e seus aliados mais próximos sonhem com uma anistia capaz de reverter a situação, as engrenagens do pragmatismo político passaram a se movimentar com força em busca de qual dos postulantes de oposição ao Palácio do Planalto pode herdar essa liderança. Tarcísio de Freitas é o que vem dando passos mais firmes nessa direção, emulando da turma radical até os ataques ao STF e ao próprio sistema de Justiça do país. O governador paulista vem recebendo inúmeras e justas críticas por essa postura, mas parece apostar nas projeções dos institutos de pesquisa, segundo as quais um nome de direita só terá alguma chance no pleito do ano que vem com o apoio da base bolsonarista. Por outro lado, eis o dilema: exagerar nos acenos pode afastar eleitores de centro.
Muitas variáveis ainda estarão em jogo até as eleições, mas a maior parte dos analistas converge sobre o seguinte ponto: mesmo inelegível e agora julgado por encabeçar uma tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro seguirá sendo uma peça relevante no xadrez de 2026. O triunfo do capitão em 2018 contrariou todos os prognósticos, arrastou também para a vitória uma grande leva de candidatos alinhados com seu discurso antissistema e representou uma grande ruptura com a antiga ordem partidária, dominada por um bom tempo pelas disputas entre PT e PSDB. Uma fatia relevante do eleitorado continua fiel aos valores do ex-presidente, e esse é um contingente que nenhum político de direita pensa em desprezar. Resta saber qual será o tamanho do bolsonarismo sem Bolsonaro em cena e como essa fatia do eleitorado vai se comportar daqui para a frente.
Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2025, edição nº 2961