Carta ao Leitor: A lei é para todos
Prisões de ex-presidentes mostram que a cultura política de impunidade passou a ser confrontada com o fortalecimento dos mecanismos legais
Nas últimas décadas, os brasileiros acostumaram-se a votar para presidente e, na sequência, ver boa parte dos eleitos serem enviados à cadeia. Essa sina se confirmou com a prisão de Jair Bolsonaro — primeiro de forma preventiva, no sábado 22, e três dias depois em definitivo, já contando o tempo para o início do cumprimento da condenação de 27 anos e três meses em regime fechado por tentativa de golpe de Estado. Relator da ação no STF, o ministro Alexandre de Moraes determinou que ele ficará na Superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal, para onde já havia sido enviado por tentar violar a tornozeleira eletrônica que usava na prisão domiciliar.
Com a detenção do capitão, o Brasil acrescenta mais um número a uma contabilidade espantosa: desde as eleições diretas, quatro dos sete presidentes tiveram o mesmo destino. No momento, aliás, registra-se outra singularidade nacional. Há dois ex-chefes de Estado presos simultaneamente. Além de Bolsonaro, Fernando Collor de Mello cumpre pena pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Ele foi inicialmente levado a um presídio em Alagoas, mas depois recebeu o benefício da prisão domiciliar. Já o atual mandatário, Luiz Inácio Lula da Silva, ficou 580 dias detido em Curitiba, no Paraná, até que a sentença foi anulada pelo Supremo. O quarteto de ex-presidentes com o mesmo histórico se completa com Michel Temer. Suspeito de receber propina nas obras da usina de Angra 3, permaneceu preso por quatro dias. Acabou liberado por uma decisão em segunda instância. Note-se, no entanto, que Temer foi absolvido recentemente em uma ação de improbidade administrativa relacionada a contratos da usina de Angra 3, da Eletronuclear.
Com exceção de Bolsonaro, os três outros ex-presidentes tiveram sérios problemas na Justiça por casos ligados à corrupção. O histórico pode ser interpretado como um sintoma sério de que esse tipo de crime ainda é institucionalizado no Brasil, sendo que a prática chega até as mais altas esferas do poder. Por outro lado, eis aí o aspecto positivo: as prisões dos ex-mandatários mostram que a cultura política de impunidade passou a ser confrontada com o fortalecimento dos mecanismos legais ocorrido nos últimos anos. O recado fica cada vez mais claro: ninguém está acima da lei.
A gravidade dos crimes cometidos por Bolsonaro e seu grupo na tentativa de se manterem no poder após a derrota em 2022 recebeu uma resposta à altura do STF. De forma inevitável, o início do cumprimento da sentença acelerou as especulações sobre o futuro político do ex-presidente, de sua família e de seus aliados, tema do pacote de reportagens especiais que começa na página 30 desta edição. Mesmo preso, o capitão é uma peça que precisará ser levada em conta no xadrez eleitoral de 2026. Mas o tamanho de sua influência daqui para a frente passará pela maior prova de fogo.
Publicado em VEJA de 28 de novembro de 2025, edição nº 2972







