A partir de uma atuação impecável nos episódios do mensalão e do petrolão, com deliberações corajosas e certeiras, o Supremo Tribunal Federal alcançou um protagonismo inédito entre os brasileiros. Além dos julgamentos desses casos notórios de corrupção do passado recente, a Corte conquistou ainda um inaudito reconhecimento público pelo destacado papel iluminista exercido nos últimos tempos. Exemplo desse farol civilizatório foi a histórica decisão favorável à união homoafetiva. Tais avanços, que promoveram os ministros a celebridades nacionais, ocorreram mesmo quando existiam enormes fissuras entre seus membros. Divisões internas, rixas entre grupos rivais e embates de opiniões tornaram-se públicos e, não raro, extrapolaram o saudável exercício da elevada discussão jurídica em torno da defesa da Constituição. No ápice desse período, o país assistiu estupefato a um colóquio entre os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, em que o primeiro classificou o colega como “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”, e o segundo rebateu: “Eu vou recomendar ao ministro Barroso que feche o seu escritório de advocacia”. Com esse padrão de cizânias de alta animosidade, o Supremo parecia condenado a um ponto de não retorno na discórdia.
Felizmente, houve uma guinada formidável nesse clima, algo que acabou se mostrando fundamental para o destino do país. Em meio a uma torrencial tempestade de ameaças antidemocráticas, vindas de grupos de radicais e do próprio presidente Jair Bolsonaro, que chegou a declarar em um 7 de Setembro que não aceitaria mais as decisões do Supremo, os integrantes do STF deixaram de lado boa parte das rusgas, picuinhas e vaidades, passando a agir em conjunto como um grande anteparo institucional aos movimentos golpistas. Surgiu a partir daí uma unidade nunca vista antes na história da Corte, tendo como uma espécie de marco zero o apoio da maioria à abertura do famoso inquérito das fake news, em 2019, pela caneta do ministro Alexandre de Moraes. Os ministros referendaram o ato que mirava Bolsonaro e uma série de aliados, mesmo essa peça merecendo críticas duras até em círculos jurídicos respeitáveis.
De forma ainda mais intensa, o esforço de união se intensificou ao longo do processo eleitoral. Cessaram de vez comentários desairosos nos bastidores de um ministro contra o outro (embora, evidentemente, algumas diferenças de pensamento permaneçam). Respostas duras e imediatas saídas do plenário referendaram por maioria o instrumental necessário para enfrentar um período atípico — em que o fanatismo político até hoje ainda alimenta instabilidade no país. Transformado em inimigo número 1 do bolsonarismo, pelo seu papel no STF e na presidência do TSE, Alexandre de Moraes ganhou apoio imediato em decisões como a da prisão do deputado Daniel Silveira e, mais recentemente, na ordem de liberação de estradas bloqueadas por protestos contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. Em reportagem na edição desta semana, os repórteres Reynaldo Turollo Jr., Laísa Dall’Agnol e Sérgio Quintella reconstituem o passo a passo do processo que unificou a Corte e explicam por que seus membros não abrem mão de continuar agindo dessa forma nos próximos meses. A reportagem também fala sobre os candidatos às duas vagas que serão abertas logo neste primeiro ano do novo governo. Entrar nesse seleto rol, responsável pela integridade das instituições brasileiras nos últimos anos, é hoje um dos maiores desejos de alguns talentosos brasileiros. Que os agraciados com tamanho reconhecimento mantenham a união nos momentos difíceis, um fenômeno que tem sido tão importante para o Brasil.
Publicado em VEJA de 30 de novembro de 2022, edição nº 2817