Carta ao Leitor: Futuro incerto
O resultado do julgamento de Bolsonaro, que começa na próxima semana, ajudará a clarear como as peças da direita devem se movimentar até 2026

Jair Bolsonaro embarcou na carreira política depois de ficar no cárcere por quinze dias e pode encerrá-la também na cadeia. Esse é um bom resumo de uma das muitas singularidades da trajetória do ex-presidente. Em 1986, o então capitão do Exército ficou detido por quinze dias em um quartel do Rio de Janeiro. Sofreu punição disciplinar por assinar em uma das edições de VEJA daquele ano um artigo reclamando do soldo dos militares. Três anos depois, e uma acusação de planejar explodir bombas em quartéis nesse meio-tempo, ele assumia a cadeira de vereador na capital fluminense. Conquistava ali o primeiro de seus nove triunfos consecutivos nas urnas, chegando ao Palácio do Planalto em 2018.
A série vitoriosa foi interrompida com a tentativa fracassada de reeleição, que pode ser atribuída em grande parte ao seu errático governo. Esse período ficará marcado para sempre pelo triste papel do então presidente na pandemia de covid-19, que deixou um saldo de 700 000 mortes no país. A curva descendente de sua carreira política culmina agora com a etapa final do julgamento pela acusação de tentativa de golpe de Estado para se manter no poder. Essa fase se inicia na próxima terça-feira, 2. Conforme mostra a reportagem da edição, o caso se encaminha para uma condenação de até quarenta anos de prisão. Bolsonaro, claro, mantém o discurso de que é inocente e de que sempre agiu “dentro das quatro linhas da Constituição”.
Embora seja o ponto mais baixo de sua carreira, o julgamento do STF não foi suficiente ainda para reduzir o peso do seu nome no cenário nacional. Mesmo os adversários reconhecem em Bolsonaro uma capacidade de liderança poucas vezes vista na história brasileira. Trata-se de um precioso ativo político que se mantém quase intacto diante da mais do que complicada situação jurídica do ex-capitão. Prova disso é que, segundo algumas pesquisas recentes, mesmo inelegível, ele segue figurando como o mais competitivo adversário em uma projeção de disputa com Lula.
Por essa razão, pré-candidatos de oposição que pretendem concorrer ao Planalto em 2026 acompanham de perto os últimos capítulos do julgamento. Cristalizou-se a percepção de que nenhum desses postulantes conseguirá decolar sem o apoio do ex-presidente. O mineiro Romeu Zema e o goiano Ronaldo Caiado têm procurado fazer gestos explícitos em direção ao eleitorado dele. O herdeiro mais natural do bolsonarismo, no entanto, é outro governador, Tarcísio de Freitas, de São Paulo, cujas movimentações deixam cada vez mais clara a possibilidade de tentar a Presidência.
Em eventos públicos, Tarcísio não perde a oportunidade de defender o padrinho. Parte do entorno mais fiel a Bolsonaro enxerga nisso um mero jogo de cena de alguém que deseja ficar com os votos do ex-presidente sem se comprometer com seu grande sonho de consumo: o projeto da anistia. A possível condenação e o isolamento prolongado e forçado pela sentença representarão evidentemente um duríssimo golpe. O resultado do julgamento, que começa na próxima semana, ajudará a clarear como as peças da direita devem se movimentar até 2026. No caso de não conseguir evitar o pior, Bolsonaro terá pela frente ainda a luta para manter-se na liderança dessas forças. Amargar no final o ostracismo seria uma triste ironia para quem surgiu do nada na política — e chegou longe.
Publicado em VEJA de 29 de agosto de 2025, edição nº 2959