Carta ao Leitor: O veneno da polarização
É urgentemente necessário escapar dessa armadilha, devolvendo ao debate político nacional o mínimo de racionalidade

A crise entre Estados Unidos e Brasil tem levado pessoas a protestar nas ruas por aqui nas últimas semanas. Elas se dividem em duas facções antagônicas, reprodução fiel da polarização que assolou a política nacional. No domingo 20, uma turma de apoiadores realizou um ato em defesa de Jair Bolsonaro, depois que a Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão na residência dele e o Supremo Tribunal Federal impôs medidas cautelares contra o ex-presidente, acusado de articular com o filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, um pacote de sanções americanas contra o Brasil. Na manifestação, pessoas carregavam faixas contra o ministro Alexandre de Moraes e criticavam supostas violações de direitos humanos autorizadas pelo magistrado. Dias antes, simpatizantes do PT e de movimentos de esquerda haviam ocupado parte da Avenida Paulista, em São Paulo, tendo como alvos principais Bolsonaro e o governador Tarcísio de Freitas, acusado de ser cúmplice nos pedidos a Donald Trump de intervenção nos negócios nacionais, que culminaram no ataque do americano às instituições.
Poucos ousam discordar da análise que coloca Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva no patamar das maiores lideranças da história recente do país. A força popular e o dogmatismo de cada um deles geraram como efeito colateral a polarização, que reduziu o nível de discussão política no Brasil a um embate permanente entre os lados opostos. Qualquer faísca reacende essa disputa, como ocorre agora na crise das tarifas de Trump. O grande tom bélico do confronto é inversamente proporcional à qualidade da argumentação. Do lado da esquerda, o discurso enfatizado é o da divisão — ricos contra pobres, potências mundiais contra nações em desenvolvimento. Enquanto isso, a direita empunha o fantasma da volta do comunismo e defende soluções simplistas para problemas complexos, como o da segurança pública.
Como resultado desse confronto, torna-se cada vez mais rarefeito o ar para debates sérios e aprofundados sobre as grandes e urgentes questões nacionais, a começar pela taxa de crescimento econômico medíocre a que o país está preso nas últimas décadas. Ficam em segundo plano também a grave situação fiscal e os males nacionais que vão se perenizando, como o baixo nível educacional e a vexatória situação do saneamento básico. Na gritaria na base do “nós contra eles”, perdem-se inúmeras oportunidades de tratar temas em busca do necessário ponto de equilíbrio. Lulistas e bolsonaristas criaram esse nível de polarização e agem como igrejas fundamentalistas adversárias, retroalimentando-se da rivalidade. É urgentemente necessário escapar dessa armadilha, devolvendo ao debate político nacional o mínimo de racionalidade, sobretudo com a aproximação do calendário eleitoral de 2026. O Brasil merece ideias melhores.
Publicado em VEJA de 25 de julho de 2025, edição nº 2954