Centrão pode colocar agenda de Bolsonaro em xeque, diz presidente do Novo
Para Eduardo Ribeiro, temas como privatizações não são pauta do grupo; ele criticou a proposta de recriar a CPMF e o silêncio de Bolsonaro sobre a Lava-Jato
Sucessor de João Amoêdo na presidência nacional do Novo, o empresário catarinense Eduardo Ribeiro acredita que a aliança do Palácio do Planalto com os partidos do chamado Centrão pode colocar em xeque a agenda do governo do presidente Jair Bolsonaro. “A agenda de privatizações, por exemplo, não é uma pauta destes grupos, que sempre fizeram uso e defenderam a manutenção da força do Estado para se manter no poder”, diz.
A VEJA Ribeiro fez uma análise da gestão do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, único membro do partido à frente de um estado, comentou a proposta de reforma tributária enviada pelo ministro Paulo Guedes ao Congresso e criticou o silêncio de Bolsonaro em relação às declarações do procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre a Operação Lava-Jato.
Abaixo os principais trechos da entrevista:
Minas Gerais é a principal vitrine do Novo no país, por ser o único estado governado por um representante do partido. Como o senhor avalia a gestão de Romeu Zema? Acredito que o governador tem se saído muito bem. Para fazer qualquer análise de sua atuação, é necessário levar em consideração que Zema pegou um estado completamente quebrado. O governador vinha fazendo um trabalho hercúleo para não atrasar pagamentos, administrar o estado de maneira correta, quando eclodiu a pandemia no país. Mesmo com todas estas dificuldades, Minas Gerais é, hoje, o estado com o menor número de mortes por 100 mil habitantes no país. Por isso, acredito que o trabalho tem sido bem feito.
No início do ano, o Novo criticou a proposta do governo de dar aumento aos servidores da segurança pública. Este foi o ponto mais baixo da gestão? A direção do Novo se posicionou contra o aumento, por acreditar que, além de não ser compatível com os ideais do partido, não era fiscalmente responsável. Mas, naquele momento, foi uma leitura política do governador. E isso tem de ser respeitado. Sempre defendo que haja uma independência entre a administração pública e a diretriz partidária.
Na eleição de 2018, João Amoêdo foi uma grande surpresa e terminou o primeiro turno na quinta colocação. Ele será o candidato do partido em 2022? Acredito que é cedo para definir algo desta natureza. Ser candidato à Presidência é algo bastante complexo, depende da conjuntura, do contexto da época. Exatamente por isso, é prematuro fazer qualquer prognóstico neste momento. No processo de escolha, muitas pessoas colaboram, dão ideias, mas poucas se colocam à disposição, poucos querem encarar o problema. João fez isso e isso mostra a sua grandeza e importância para a história do partido.
De que maneira as eleições municipais desse ano servirão como laboratório do Novo para 2022? Teremos candidatos a prefeitos em 30 cidades. Evidentemente, não significa que o Novo elegerá prefeitos em todos estes municípios. Até porque, o desempenho de um candidato depende de uma série de fatores ligados à realidade local destas regiões. Mas posso dizer que o partido tem totais condições de eleger e formar bancadas sólidas de vereadores neste ano, como um importante passo para chegar mais forte em 2022.
Nos últimos dias, temos visto uma movimentação de forças no Congresso Nacional. Como o senhor enxerga esta aproximação do governo com o Centrão e como o Novo, que tem oito deputados, se posiciona neste tabuleiro do Legislativo? Essa situação de oferta de cargos em troca de apoio passa, no curto prazo, uma impressão do governabilidade. O grande problema é que, no longo prazo, estamos no processo de retroalimentação de um sistema que existe há décadas no Brasil e que não conseguimos deixar para trás. Essa aliança pode colocar em xeque a agenda do governo. A agenda de privatizações, por exemplo, não é uma pauta destes grupos, que sempre fizeram uso e defenderam a manutenção da força do Estado para se manter no poder. Com relação ao Novo, nosso objetivo é consolidar nossa independência. O que vier de matéria sobre assuntos que consideramos benéficas ao Brasil, iremos defender. Não importa de onde venha. Agora, se for algo que consideramos prejudicial dentro de nossos princípios e valores, seremos contra. Muito se fala sobre sermos totalmente favorável à agenda econômica do governo, mas somos totalmente contrários à ideia de uma nova CPMF, por exemplo.
A reforma tributária do governo foi criticada pela demora na entrega do texto, mas também por trazer, em um primeiro momento, apenas uma unificação de PIS e Cofins. O que o senhor achou da proposta? Tenho profundo respeito pelo ministro Paulo Guedes. Acho, inclusive, que ele conseguiu emplacar uma reforma da Previdência ampla. Tínhamos a expectativa de que as reformas administrativa e tributária fossem enviadas e votadas no ano passado. Em 2020, vivemos um ano de crise sanitária sem precedentes. Em 2021, é natural que, pelo cálculo político, os parlamentares tentem não se desgastar com a votação de temas espinhosos, pensando em suas reeleições. Meu medo é que tenhamos perdido o timing das reformas. No meu entendimento, a reforma deveria ser ampla desde o início. Ao dividir, podemos perder força ao longo do caminho.
“Muito se fala sobre sermos totalmente favorável à agenda econômica do governo, mas somos totalmente contrários à ideia de uma nova CPMF, por exemplo”
Nas redes sociais, a semelhança de ideias rendeu ao Novo o apelido de “PSL de sapatênis”. Como o senhor enxerga esse tipo de comparação? Essa é uma visão binária. Quando uma matéria é votada, você vota sim ou não. Analisar desta forma – se vota com o governo é governista e se vota contra, é oposição – é algo extremamente raso e simplista. Mas vejo este tipo de comentário como algo natural da política. Tentar colar pechas ao partido é do jogo. Ao longo do tempo, perceberão que coerência tem valor.
Outra bandeira do partido é a defesa da Operação Lava-Jato. Como o senhor enxerga a declaração do procurador-geral, Augusto Aras, que pediu que o ‘lavajatismo não perdure’ no país? Vejo com bastante preocupação. O Novo sempre defendeu as operações da Lava-Jato. O Brasil é um país com histórico de impunidade. As investigações e prisões trouxeram à população a sensação de que as coisas estavam mudando. À medida em que você coloca isso em xeque, é passada a sinalização de que tudo pode voltar ao que era antes.
O presidente Jair Bolsonaro não hesita em tecer comentários sobre decisões do STF que afetam seus apoiadores, como no caso do inquérito das fake news, mas silencia em relação à postura de Aras. Como o senhor vê esta dualidade? Me parece que é por conveniência. Em período eleitoral, é conveniente esbravejar contra corruptos e se apoiar em ações como a Lava-Jato, mas durante o governo não emitir nenhuma opinião. Gostaria muito de saber o que o presidente pensa a respeito deste tipo de conduta.
“Em período eleitoral, é conveniente esbravejar contra corruptos e se apoiar em ações como a Lava-Jato. Gostaria muito de saber o que o presidente pensa (dos ataques à operação)”
Na aprovação da Lei Aldir Blanc, de incentivo a trabalhadores da cultura, o Novo foi o único partido contrário por entender que se tratava de “privilégios setoriais”, como disse Amoêdo em uma rede social. Em temas quase consensuais como este, se manter preso a este tipo de argumento não expõe o partido excessivamente?
O que entendemos é que, se a pessoa tem essa necessidade, ela terá esse direito. Isso já estava no primeiro pacote [do projeto de auxílio emergencial aprovado pelo Legislativo]. O que faz uma pessoa ser melhor que a oura? O Novo não é contra cultura ou esporte. Apenas consideramos que todos são iguais. Isso, é lógico, causa desgaste político, porque são temas que têm apelo grande. Estamos ali para defender nossos princípios, mesmo apanhando nas redes sociais.
Qual a grande ambição do senhor enquanto presidente do Novo para um futuro próximo? Eleger o próximo presidente da República com uma grande bancada no Congresso Nacional.