Ciro Gomes amplia conversas e flerta com a terceira via nas eleições
Terceiro colocado nas pesquisas, mas há um ano sem sair de uma posição bem abaixo dos favoritos, pedetista inicia investida sobre as siglas de centro
O ex-governador Ciro Gomes (PDT) conduziu a sua campanha até aqui na base da “metralhadora verbal”: ataques tanto aos dois candidatos que estão bem a sua frente nas pesquisas — o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro — quanto à chamada terceira via, nome que se convencionou dar à tentativa de construir uma alternativa viável à polarização. A estratégia lhe rendeu desafetos e não produziu nenhum resultado eleitoral concreto. O pré-candidato está estagnado na corrida ao Palácio do Planalto há mais de um ano (veja o quadro abaixo). Embora a sua artilharia nas redes sociais continue mirando os líderes da disputa (“um rouba, mas faz, e o outro rouba sem fazer”, diz o novo jingle), o pedetista inicia, pelas bordas, uma firme investida sobre as siglas de centro.
A busca de Ciro se dá em meio à aparentemente interminável hesitação das legendas centristas, tanto as que discutem uma candidatura única da terceira via quanto as que correm por fora, como o PSD do ex-ministro Gilberto Kassab. Se o pedetista e seu partido já tinham costuras com caciques de União Brasil e PSD em alguns estados importantes, a sinalização feita por ele nos últimos dias foi a de disposição para dialogar também com MDB, PSDB e Cidadania. “Ora, diálogo é diálogo, eu aceito participar”, disse. Por ora, o aceno não produziu resultado imediato, e o seu partido não foi convidado para a reunião do grupo na terça 26, em Brasília, que manteve para 18 de maio o anúncio do candidato da aliança da terceira via.
O fato de não fazer parte dessa mesa de conversas não esfriou os ânimos do PDT e de seu postulante. A porta mais aberta para Ciro, por ora, é a do União Brasil, cujo presidente, Luciano Bivar, tornou-se importante interlocutor do pedetista. Na reunião de terça, o líder do partido na Câmara, Elmar Nascimento, defendeu que os pedetistas sejam incluídos nas tratativas. O União Brasil já tem alianças com o PDT em alguns estados. Em dois deles, Bahia e Goiás, o partido de Ciro vai engrossar os palanques de ACM Neto e Ronaldo Caiado, caciques do União que disputarão os governos. As siglas também caminharão juntas em Santa Catarina, Alagoas e Mato Grosso. Em meio a sinalizações de que o União Brasil pode abandonar o “centro democrático”, há entre aliados de ACM Neto quem defenda que o partido mantenha a candidatura própria à Presidência, com Bivar, ou se alie a Ciro. “Se for pra ser vice e compor, melhor fazer com Ciro, com quem temos reciprocidades nos estados”, diz um parlamentar ligado ao ex-prefeito de Salvador. Além do mais, o União Brasil tem incompatibilidades locais intransponíveis com o MDB em estados como Bahia, Alagoas e Ceará, que dificultam o apoio da legenda à senadora Simone Tebet. Declarações dela de que só toparia ser cabeça de chapa irritaram Bivar. Outro pré-candidato, João Doria (PSDB), luta no momento para vencer as resistências que enfrenta no União Brasil.
Enquanto vai avançando discretamente sobre a terceira via, Ciro e o PDT investem em acordos estaduais com o PSD. Exemplos disso são dois dos três maiores colégios eleitorais do país. Em Minas Gerais, Ciro recebeu elogios do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), que o classificou como “muito preparado e talhado” para ser presidente. Em outra frente, Ciro tenta atravessar uma negociação entre o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD) e o PT, que enfrenta dificuldades para acerto na chapa. Lula já disse que deseja apoiar Kalil e o ex-prefeito gostaria de um palanque com o petista, mas também já se disse admirador de Ciro. No Rio de Janeiro, PDT e PSD tinham um acordo pela composição entre o ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves (PDT) e o ex-presidente da OAB Felipe Santa Cruz (PSD) para o governo, mas um desarranjo sobre quem ocuparia a cabeça de chapa atravancou o acerto, ainda não descartado. Eduardo Paes, prefeito do Rio e padrinho de Santa Cruz, tende a apoiar Ciro no plano federal, diante da aliança do PT com Marcelo Freixo (PSB), que é adversário de Paes. No Ceará, reduto de Ciro, PSD e PDT também andarão juntos.
O sucesso dos movimentos recentes em busca de um arco de parcerias ao centro na corrida presidencial tem como principal obstáculo o próprio Ciro, famoso por seu comportamento mercurial e o estilo “lobo solitário”. Em 2018, por exemplo, ele só conseguiu aliança com o Avante. Por esse histórico, boa parte da turma da terceira via enxerga com ceticismo uma aproximação. Mas é verdade também que um dos principais obstáculos para um acordo foi removido, que era a presença na mesa de presidenciáveis do ex-juiz Sergio Moro (União), a quem Ciro qualifica de “inimigo da República”. “A saída de Moro facilitou muito, estamos na expectativa da evolução das conversas”, afirma o presidente do PDT, Carlos Lupi. Mas há outros entraves. Um deles é o fato de Ciro não abrir mão da cabeça de chapa. Além disso, o pedetista tem desavenças políticas e pessoais com figuras do MDB como o ex-presidente Michel Temer e o ex-presidente do Senado Eunício Oliveira (CE). Vale ressaltar que as ideias de Ciro também representam um problema. O seu ideário econômico inclui propostas como taxar lucros, dividendos e grandes fortunas, acabar com o teto de gastos e recomprar ações da Petrobras, propostas que colidem com as agendas de União, PSDB e MDB. “Ele terá de convencer os líderes mais liberais de que as suas propostas respeitam o mercado e estão abertas ao debate”, diz o cientista político José Álvaro Moisés, da USP.
Essa será a quarta tentativa de Ciro rumo ao Palácio do Planalto (as outras foram em 1998, 2002 e 2018). Diante do histórico, o esforço do pedetista para atrair o centro é a sua última — e correta — manobra para evitar um novo fracasso em outubro. “Seu eleitorado assegura a ele um patamar que não é ruim, mas é insuficiente para fazer dele um candidato competitivo”, avalia o cientista político Cláudio Couto, da FGV. Barrado à esquerda por Lula, que já tem os apoios de PSB, PCdoB, PV e PSOL, resta-lhe a caminhada à direita, até porque a sua estratégia é mirar o lugar de Bolsonaro. Com a subida do presidente nas pesquisas, contudo, há risco de Ciro sofrer uma sangria de votos para Lula e ver sua candidatura desidratar de vez. Segundo a pesquisa BTG/FSB divulgada nesta semana, o pedetista é o candidato cujos eleitores mais são propensos a fazer “voto útil”: 61% podem mudar a escolha para evitar a vitória de quem rejeitam. Ou seja, Ciro precisa se mostrar viável o mais rápido possível. E todos os caminhos levam ao centro.
Publicado em VEJA de 4 de maio de 2022, edição nº 2787