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Cloroquina: a ascensão e queda do remédio que iria nos salvar da crise

Bolsonaro, que vinha fazendo defesa apaixonada do remédio, passou a tratá-lo com mais cautela depois da divulgação de problemas relacionados ao seu uso

Por Eduardo Gonçalves e André Siqueira
Atualizado em 17 abr 2020, 17h49 - Publicado em 17 abr 2020, 11h23

Na live transmitida na noite de quinta-feira, 16, com a presença do novo Ministro da Saúde, Nelson Teich, Jair Bolsonaro voltou a falar sobre a cloroquina, depois de um silêncio presidencial de cinco dias a respeito do remédio. “A cloroquina pode dar certo. Por que eu falo que pode? Não temos a comprovação ainda, pode ser que, daqui a um ou dois anos, haja a comprovação científica de que não teve validade nenhuma, que foi só psicológico, mas pode se chegar à conclusão que foi eficaz. (…) Comprovação é lá na frente”, disse o presidente, frisando que o medicamento não era uma “imposição” dele e que só deveria ser prescrito com receita médica. Foi um tom bem diferente da defesa apaixonada que o capitão vinha fazendo da substância que está sendo usada junto com outros remédios no tratamento de pacientes com Covid-19.

Bolsonaro chegou até a ter um vídeo excluído no Twitter no dia 30 de março, no qual dizia que o medicamento “está dando certo em tudo quanto é lugar”. A mudança de discurso ocorre justamente em um momento em que o número de mortes continua aumentando – segundo o último balanço, 1924 óbitos -, mesmo com a aplicação do remédio em uma escala maior. Na última terça-feira, 14, a estudante Kamilly Ribeiro, de 17 anos, faleceu em decorrência das complicações da Covid-19 em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Segundo a Secretaria de Saúde da cidade, ela fez uso do medicamento, “conforme indica o protocolo do Ministério da Saúde”.

Há vários estudos em andamento sobre a eficácia do remédio no combate à Covid-19, mas ainda não surgiu um veredicto definitivo a respeito da questão. A cautela é necessária, pois sabe-se que ele pode provocar graves efeitos colaterais, como complicações cardíacas – principalmente quando associado a Azitromicina, o antibiótico que também está sendo usado no tratamento da doença. Em live do dia 26 de março, o presidente disse que a medicação “não tinha efeito colateral, quando medicada corretamente”. “Aplica logo, pô”, acrescentou ele, na ocasião. Nas últimas semanas, no entanto, países como França relataram efeitos colaterais sérios no uso do remédio em pacientes de coronavírus e a Suécia chegou a suspender o seu uso. Nos Estados Unidos, conforme noticiou a coluna RADAR, de VEJA, a Casa Branca já alertou o governo brasileiro de que aguarda a conclusão de um grande estudo sobre a eficácia do medicamento no combate à Covid-19. Ao lado de Bolsonaro, Donald Trump é um dos maiores entusiastas da cloroquina. O presidente americano tem relação próxima com fabricantes do medicamento, segundo a imprensa local.

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No fim de março e início de abril, as postagens do presidente sobre a cloroquina eram quase diárias, o que incluía até a exibição das marcas de remédio comercializados no Brasil. A intensa publicidade levou o remédio a desaparecer das prateleiras das farmácias. Até a indústria farmacêutica, que vinha se beneficiando da alta nas vendas, se queixou da atitude de Bolsonaro devido ao desabastecimento em algumas cidades do país. “Nós sempre fomos contra a prescrição “off lable” (quando o remédio é receitado sem todas as comprovações científicas) de médicos, imagine de alguém que não é médico. É preciso ter cuidado para que todo mundo não saia comprando sem precisar. É um produto que tem fortes efeitos colaterais – é só ler a bula”, disse a VEJA um empresário influente do setor, que não quis se identificar.

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Segundo os dados do segmento, foram vendidas ao todo 974.669 frascos de cloroquina e hidroxicloroquina no país nos últimos doze meses até fevereiro – desse total, a maioria (933.911) foi produzida pela fabricante brasileira Apsen, cujo remédio (o Reuquinol) chegou a ser exibido pelo presidente em um dos seus “showroom” online.  A VEJA, o presidente da empresa, Renato Spallicci, disse que houve um bom incremento nas vendas em março e que está se preparando para o aumento da demanda nesse período de pandemia. “Com ajustes nos processos fabris, temos a capacidade de aumentar em até 4 vezes a produção, caso seja necessário”, diz ele.

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Simpático ao governo Bolsonaro em suas redes sociais, Spallici comentou que as pesquisas sobre a eficácia do medicamento são “promissoras” no uso profilático da doença, mas que a empresa “baseia a sua atuação na ciência” e que “aguarda a conclusão dos estudos para entender a viabilidade do uso”. “Temos conhecimento sobre alguns testes para a utilização preventiva do medicamento para Covid-19. No entanto, ainda não temos evidências científicas sobre efetividade e segurança do medicamento nesses pacientes”, afirma.

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As fabricantes também estão se preparando para manter o abastecimento, mesmo com os problemas de compra do princípio ativo da cloroquina, que vem majoritariamente da Índia e China que paralisaram algumas importações por causa da crise. Conforme o presidente da Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos), Nelson Mussolini, a situação já está voltando ao normal e a indústria garante o abastecimento do remédio nos próximos quatros meses.

Ele pontuou, no entanto, que será impossível manter congelado o preço dos medicamentos para depois de abril, com a alta do dólar e a crise no setor aéreo – a carga de matéria-prima dos remédios costuma vir a bordo de aviões comerciais. Em março, o governo postergou o reajuste para até maio. “A solução dessa crise sairá de dentro da indústria farmacêutica, seja um produto curativo ou um preventivo. Por isso, não podemos deixar a indústria sufocada como ela está agora”, diz.

 

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