Como Jorge Oliveira se tornou o ministro mais próximo de Bolsonaro
Ele aconselha o presidente em decisões importantes, cuida de tarefas espinhosas e ganha espaço no governo
Em estruturas de poder, é muito comum a figura da “eminência parda”, alguém que exerce uma profunda influência sobre o mandachuva visível, mas que atua nos bastidores, sem chamar tanta atenção. Na França do século XVII, esse papel foi ocupado pelo cardeal Richelieu. Na ditadura militar, durante o governo de Ernesto Geisel, quem dava as cartas era o general Golbery do Couto e Silva, o “bruxo”. Guardadas todas as proporções, há um candidato a essa posição no governo de Jair Bolsonaro. Chama-se Jorge Antonio de Oliveira Francisco, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República. Embora seja desconhecido de grande parte da população e até mesmo de alguns poderosos de Brasília (dois ministros do Supremo Tribunal Federal ouvidos por VEJA tiveram dificuldade de ligar o nome da pessoa ao cargo), ele é hoje o personagem com a melhor cotação do momento no “bolsonômetro” — e uma voz influente nas decisões de um presidente notório por absorver as ideias do último interlocutor.
Talvez um dos grandes trunfos de Oliveira seja exatamente esse. Nenhum ministro é tão próximo (literalmente) de Bolsonaro quanto ele. Na geografia do Palácio do Planalto, trata-se do único auxiliar de primeiro escalão com sala no 3º andar da sede do Poder Executivo, o mesmo em que o capitão dá expediente. Só ele também despacha todos os dias, religiosamente, com o presidente. Nessas ocasiões, desempenha um duplo papel, de escudeiro e conselheiro presidencial. Foi Oliveira, por exemplo, quem fez a cabeça de Bolsonaro para ele amenizar o tom das críticas ao Fundo Eleitoral (o presidente chegou a dizer que o vetaria por completo, mas acabou aceitando 2 bilhões de reais, em vez dos 3,8 bilhões sugeridos pelo Congresso). Na avaliação do ministro, os pontos que Bolsonaro ganharia com os eleitores não compensariam a encrenca com os parlamentares. A temperatura de sua relação de intimidade e de confiança com o presidente anda tão em alta que ele é cogitado para uma das duas vagas que o capitão preencherá no STF até o fim de 2022. “Não trabalho com essa possibilidade. O presidente terá apenas duas indicações, e os dois nomes naturais são Sergio Moro e o advogado-geral da União, André Mendonça”, afirmou a VEJA.
Sua participação, porém, não se restringe à elaboração de estratégias ou à tomada de decisões. Oliveira também mete a mão na massa e enfrenta tarefas espinhosas para defender os interesses do governo. Caso recente ocorreu com a medida provisória que extinguia o seguro obrigatório de veículos (DPVAT). Em novembro, Bolsonaro assinou a MP, chancelado pela Subsecretaria de Assuntos Jurídicos (SAJ), que é de responsabilidade de Oliveira. Um mês depois, no entanto, o Supremo suspendeu o ato por 6 votos a 3. Não foi a primeira trombada do tipo com o STF. Em agosto do ano passado, o decano da Corte, Celso de Mello, criticou duramente Bolsonaro pela edição de outra MP, a que pretendia transferir a demarcação de terras indígenas da Funai para a pasta da Agricultura. A proposta havia sido rejeitada pelo Congresso em 2019, o que a impediria de ser reapresentada na mesma legislatura. Para os críticos, essa é uma prova da falta de conhecimento jurídico de Oliveira. Para um dos juízes do STF, no entanto, não se trata de imperícia. “A mim, me parece que ele está apenas fazendo o trabalho sujo para agradar ao presidente da República”, afirma.
Dentro da equipe ministerial, Oliveira já trombou feio com o colega Onyx Lorenzoni, da Casa Civil. Eles se tornaram desafetos em dezembro de 2018, durante uma reunião na transição do governo. Oliveira, que tinha cargo certo (na SAJ), tentou tirá-la da estrutura da Casa Civil e ligá-la diretamente à Presidência. Seu argumento: as análises jurídicas ficariam mais blindadas contra interferências políticas. Visivelmente descontente, Lorenzoni retrucou: “O senhor quer dizer que eu não garantiria a independência da secretaria?”. E, sem se deixar interromper, pegou ainda mais pesado: “O senhor sabe que não tem currículo para ocupar essa posição e que está aqui apenas pela consideração que o presidente tem pelo senhor e sua família, não sabe?”. Os dois quase foram às vias de fato, mas a situação foi controlada pela turma dos panos quentes. Em junho do ano passado, Oliveira livrou-se de Lorenzoni quando foi promovido a ministro, carregando para sua pasta a SAJ.
Formado em direito e major da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal, Oliveira é filho de Jorge de Oliveira Francisco. Falecido em 2018, Francisco foi capitão do Exército e chefiou o gabinete de Bolsonaro por vinte anos na Câmara dos Deputados. A relação dos dois era tão próxima que Francisco aparece como um dos financiadores das campanhas dos filhos do presidente (doou 15 000 reais a Carlos, em 2012, e 11 000 a Eduardo, em 2014). Seguindo os passos do pai, Oliveira tornou-se assessor parlamentar, após deixar a PM. Primeiro, trabalhou no gabinete de Bolsonaro. Depois, assumiu a chefia de gabinete de Eduardo, o Zero Três, de quem é padrinho de casamento. Com isso, virou praticamente membro do clã presidencial — a credencial perfeita para um chefe que preza muito quem é da família.
Publicado em VEJA de 22 de janeiro de 2020, edição nº 2670