Após certa perplexidade ante a renovação recorde que atingiu a Câmara e o Senado — com a ascensão do bolsonarismo e o esvaziamento de partidos tradicionais —, o Congresso viveu sob o signo da incógnita até o começo da legislatura: afinal, do que seriam capazes os novatos? Mas a resposta não demorou. Com o presidente da República envolvido em polêmicas intermináveis — muitas delas criadas pelo próprio Jair Bolsonaro — ou entretido no Twitter com temas comportamentais que só têm alta ressonância entre seus apoiadores mais radicais, o Legislativo tomou a frente das discussões urgentes e importantes, liderado pelo experiente Rodrigo Maia (DEM-RJ), na Câmara, e pelo habilidoso Davi Alcolumbre (DEM-AP), no Senado. O exemplo mais notável veio com a reforma da Previdência, medida necessária ao país que foi aprovada apesar da notória desarticulação política do governo. Deputados e senadores ainda barraram iniciativas questionáveis de Bolsonaro ao retirar do pacote anticrime o excludente de ilicitude — que aliviava a punição a policiais envolvidos em mortes — e derrubar decretos como o que flexibilizava o acesso a armas de fogo. O Legislativo não deu vida fácil ao Planalto ao convocar membros do governo para falar sobre temas significativos ou controversos — foi palco de audiências tensas com ministros como Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça) — e ao abrir comissões como a CPMI das Fake News, que mobiliza o que resta da base governista. O Parlamento também deu respostas firmes quando o entorno de Bolsonaro fez acenos autoritários, como sugerir um novo AI-5, ato que ampliou a repressão na ditadura. Apesar de derrapadas condenáveis, como a tentativa de elevar o fundo eleitoral de 2 bilhões para 3,8 bilhões de reais, o comportamento do Legislativo ao longo do ano mostra que ele tem capacidade para impor freios e contrapesos a abusos — o que é necessário em um Estado democrático de direito — ou fazer o país andar mesmo quando o governo titubeia.
Publicado em VEJA de 1º de janeiro de 2020, edição nº 2667