Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana

CPI da Pandemia esquenta os ânimos entre Executivo e Judiciário

A criação da comissão alimenta teorias de conspiração e eleva o tom das provocações

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h03 - Publicado em 16 abr 2021, 06h00

Em 2019, logo depois da posse de Jair Bolsonaro, ganhou corpo no Congresso um movimento a favor da criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2020, com a aquiescência do presidente da República, militantes bolsonaristas realizaram manifestações em todo o país defendendo o fechamento da mais alta Corte de Justiça do país. O primeiro movimento fez muito barulho, alimentou diversas teorias, mas não prosperou. O segundo foi sufocado pela ação enérgica do próprio STF, que abriu uma investigação para identificar os responsáveis pelos protestos e decretou a prisão dos líderes. Predomi­na dos dois lados, Executivo e Judiciário, a suspeita de que um poder tenta se sobrepor ao outro — o que, se verdadeiro, configuraria uma inadmissível trama contra a democracia.

NO SUPREMO - Luís Roberto Barroso: “Ato de resistência democrática” -
NO SUPREMO - Luís Roberto Barroso: “Ato de resistência democrática” – (Cristiano Mariz/.)

O presidente, por exemplo, tem convicção de que o STF quer inviabilizar seu governo. Na semana passada, Bolsonaro deixou isso claro ao acusar o ministro Luís Roberto Barroso de fazer “politicalha”. Na quinta-feira 8, Barroso atendeu ao pedido dos senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru, ambos do Cidadania, e determinou ao Congresso que instaurasse uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar eventuais omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia de Covid-19. A CPI é um instrumento legítimo, mas pode-se até questionar se este é o momento mais adequado para instalá-la (de fato, não é). A reação de Bolsonaro, porém, foi desproporcional. “Barroso, nós conhecemos seu passado, sua vida, o que você sempre defendeu, como chegou ao STF, inclusive defendendo o terrorista Cesare Battisti. Então, usa a sua caneta em defesa da vida e do povo brasileiro, e não para fazer politicalha dentro do Senado. Se tiver um pingo de moral, ministro Barroso, mande abrir processo de impeachment contra alguns dos seus companheiros do STF”, provocou o presidente.

Jair Bolsonaro

Na sequência, Bolsonaro disparou um segundo petardo. Em uma conversa com Jorge Kajuru, o presidente acusou o Supremo de “ativismo” e sugeriu ao congressista que entrasse com uma ação solicitando que a Corte também determinasse que o Senado colocasse em pauta pedidos de impeachment contra ministros do STF. Kajuru lembrou que ele já havia feito isso em relação ao ministro Alexandre de Moraes. “Muito bem”, elogiou o presidente. A conversa foi gravada e divulgada pelo senador. Segundo ele, com o aval do presidente, que nega. O fato é que, há dois anos, Executivo e Judiciário vivem esse clima de guerra fria. Bolsonaro já disse que o tribunal estava esticando a corda, já declarou que sua paciência havia “acabado” ao saber que o ministro Alexandre de Moraes havia autorizado a realização de buscas contra seus apoiadores e já advertiu, através do chefe de Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, que, se a Corte determinasse a apreensão de seu celular, isso poderia gerar “consequências imprevisíveis”.

ALVO - Ação da Polícia Federal: CPI vai investigar desvios do governo nas verbas da pandemia -
ALVO - Ação da Polícia Federal: CPI vai investigar desvios do governo nas verbas da pandemia – (./Reprodução)

Os ministros do STF se comportam de maneira mais discreta, mas não menos belicosa. Sob reserva, um deles disse a VEJA que os julgamentos e decisões de temas de interesse do Planalto são analisados sob um prisma diferente. “A todo momento, vemos o presidente tentar jogar algum segmento da sociedade contra o Supremo. Aconteceu isso recentemente com os evangélicos e já aconteceu com os militares. É preciso colocar limites nessas ações”, diz um dos mais experientes juízes da Corte. O magistrado cita como exemplo a decisão da ministra Rosa Weber que suspendeu liminarmente a validade de grande parte do decreto do governo que flexibilizava a compra e o porte de armas. “Essa decisão desmonta um perigoso projeto de armar a população sabe-se lá para que fins”, completa o ministro. Foi seguindo essa mesma linha que, no início do mês, o decano do STF Marco Aurélio Mello pediu explicações a Bolsonaro por ele ter afirmado que a população poderia “contar com as Forças Armadas pela democracia e pela liberdade”. Há óbvios exageros de ambos os lados.

Continua após a publicidade

Ministros do STF

O Judiciário mantém ativa uma série de procedimentos que funcionam, segundo palavras de alguns ministros, como “barreiras de contenção” (veja o quadro). O exemplo mais nítido dessa estratégia ocorreu no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Logo depois da eleição, em outubro de 2018, partidos de oposição ingressaram com ações que pediam a cassação do mandato do presidente. Os processos apuram se a campanha de Bolsonaro se beneficiou de disparos massivos de mensagens, o que caracterizaria abuso de poder econômico. Sem provas, a previsão era arquivar os casos no fim do ano passado. Reservadamente, porém, o ministro Alexandre de Moraes, que também atua no TSE, recomendou que o julgamento só acontecesse depois que as investigações sobre a disseminação de fake news no inquérito que tramita no STF e tem o próprio ministro como relator estivessem mais avançadas. Na prática, a iniciativa do ministro mantém a espada da justiça sob a cabeça de Bolsonaro de forma permanente.

arte CPI

Na quarta-feira 14, quase uma semana depois da liminar de Luís Roberto Barroso em favor da CPI da Pandemia, o plenário do Supremo confirmou a decisão do ministro e, por 10 votos a 1, validou a ordem de instalação da comissão de inquérito. “Nas democracias, a Constituição institucionaliza e limita o exercício do poder político. Diversos países do mundo vivem recessão democrática. Exemplos conhecidos são Hungria, Polônia, Turquia, Rússia, Geórgia, Venezuela. Todos eles, sem exceção, assistiram a processos de ataques e esvaziamento de seus tribunais constitucionais. Quando a cidadania daqueles países despertou, já era tarde. Reafirmar o papel das Supremas Cortes de proteger a democracia e os direitos fundamentais é imprescindível ato de resistência democrática”, disse o ministro Barroso durante o julgamento, reafirmando mais uma vez o alvo e o alcance da decisão. A guerra continua.

Publicado em VEJA de 21 de abril de 2021, edição nº 2734

Continua após a publicidade
Continua após a publicidade
Publicidade

Imagem do bloco

4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

Vejinhas Conteúdo para assinantes

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.