Uma eventual suspensão do funcionamento do aplicativo Telegram no Brasil encontra resistência por parte de integrantes da cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR) e, segundo especialistas ouvidos por VEJA, pode se revelar uma medida inócua e até provocar o efeito contrário, ampliando a desinformação disseminada na plataforma russa. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, pretende discutir a controversa questão com os colegas na semana que vem, com a retomada dos trabalhos da Corte. Abraçado com entusiasmo pela militância digital do presidente Jair Bolsonaro, o Telegram permite a criação de grupos com 200.000 pessoas e se tornou uma fonte de preocupação para a Justiça Eleitoral, que teme o uso da plataforma para a divulgação de teorias conspiratórias e notícias falsas sobre o processo eleitoral. Até hoje, o TSE não conseguiu notificar oficialmente a empresa de um ofício assinado pelo próprio Barroso, que solicitava uma reunião para discutir “possíveis formas de cooperação sobre o combate à desinformação”.
Integrantes do TSE já discutem reservadamente a construção de uma saída jurídica para suspender o funcionamento do aplicativo, ainda que prefiram uma solução capitaneada pelo próprio Congresso. Uma das ideias é a de determinar que o Telegram não pode operar no Brasil enquanto não tiver uma representação em território nacional. A cúpula da PGR, no entanto, vê com muitas ressalvas uma ofensiva nesse sentido. “Desinformação se combate com informação de qualidade. O Putin, que não é um democrata, tentou bloquear o Telegram. Censura é igual tabelamento de preços… dá o efeito contrário. Todo mundo quer ver”, avalia um interlocutor do procurador-geral da República, Augusto Aras.
Um outro integrante da cúpula da PGR aponta para os riscos de o eleitor brasileiro ser “infantilizado” com uma “tutela paternalista”. “As consequências de toda ordem de uma suspensão de funcionamento são intuitivamente graves e não vi até aqui nenhuma abordagem mais aprofundada sobre a sua magnitude real no plano da vida cotidiana dos tantos integrantes do Telegram e no plano dos valores constitucionais envolvidos e em conflito”, aponta. Os valores seriam a liberdade de expressão e de informação, além dos limites de atuação do Judiciário no quadro de separação de poderes – e o respeito à autonomia do eleitor de buscar onde quiser as informações que quiser.
Para o advogado Luiz Eduardo Peccinin, especialista em direito eleitoral, é complexo dar uma solução para um problema quando nem o próprio tribunal encontrou uma resposta definitiva. “Em dois cliques eu consigo mudar o proxy (servidor que faz a intermediação do tráfego) e alterar o VPN (que permite ocultar a identidade do usuário, dificultando a identificação da origem do acesso) para usar um servidor externo, ainda que o Telegram seja bloqueado no Brasil. Ou seja, pode não existir um meio de bloquear o Telegram em definitivo”, alerta. “O TSE pode até entender que o uso do Telegram é ilegal, mas isso pode ter o efeito reverso, que seria ampliar a proliferação da propaganda indevida no aplicativo. No fim, mesmo com a possibilidade de punições a candidatos e partidos, o prejuízo já estará feito.”
Dentro do TSE, também proliferam dúvidas sobre a melhor forma de enfrentar o problema. “São muitas as variáveis jurídicas e técnicas que entram nessa equação, que não tem uma fórmula simples e pronta para solução”, admite um ministro. “Banimento é medida extrema. Geralmente se usa suspensão. Não temos nenhuma pena perpétua no nosso país”, afirma outro magistrado. A conferir.