Discurso sobre ‘fraude’ nas urnas perde força, mas há brecha para confusão
Na reta final da disputa, teorias sobre sistema eleitoral são deixadas de lado em meio a novas suspeitas levantadas pela campanha de Bolsonaro
Quando o debate — estéril e inapropriado — sobre a segurança do processo eleitoral passou a frequentar a lista de prioridades retóricas de Jair Bolsonaro em meados do ano passado, representantes do Supremo Tribunal Federal (STF), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e de órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU) se convenceram de que o movimento era o início de uma construção maior que teria o objetivo de tumultuar as eleições. Aos poucos, a suspeita foi ganhando ingredientes mais complexos. O Ministério da Defesa e uma ala das Forças Armadas próxima ao Planalto se alinharam ao discurso do presidente da República, defendendo a necessidade de uma auditoria externa no processo de totalização dos votos. A teoria conspiratória dos bolsonaristas falava da existência de um plano preparado sabe-se lá por quem para fraudar as urnas eletrônicas e favorecer o candidato de oposição. Paralelamente, circulava uma outra teoria, alimentada por oposicionistas, atribuindo as críticas às urnas à preparação de um golpe militar.
Na reta final da disputa pela Presidência da República, felizmente, ambas as teorias foram perdendo tração. Terminado o primeiro turno, não houve nenhum questionamento dos bolsonaristas ao resultado nem insinuação alguma de fraude na votação. O Ministério da Defesa, que foi autorizado pela Justiça Eleitoral a fiscalizar o processo, anunciou que vai apresentar seu relatório depois do segundo turno. Em princípio, nenhuma inconsistência teria sido encontrada. Mesmo nesse terreno de intrigas, os ânimos arrefeceram. O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, recebe há meses informes das polícias militares e de integrantes do Alto-Comando das Forças Armadas garantindo que não há sinais de instabilidade. “Ninguém vai fazer maluquice. Nem o ministro da Defesa nem ninguém. Eu conheço esse pessoal”, disse Moraes em uma reunião recente. Sinais nessa mesma direção partiram do próprio Palácio do Planalto.
Confira a apuração do resultado do segundo turno das eleições 2022
Confrontado com o fato de que não surgiu uma mísera prova de fraude na contabilização dos votos ou nas urnas eletrônicas, assessores da estrita confiança de Bolsonaro explicaram que o presidente acredita mesmo que as urnas não são 100% seguras, mas, diante da impossibilidade de provar sua tese, preferiu espalhar a dúvida sobre o sistema para que isso funcionasse como uma espécie de antídoto. O presidente apontou os “holofotes sobre o tema das urnas” para “o pessoal ficar com medo de fraudar as eleições”, disse a VEJA, sob reserva, um importante auxiliar do ex-capitão. Por “pessoal” leia-se integrantes da campanha adversária. No entendimento de alguns bolsonaristas, o blefe para pôr o processo eleitoral em xeque forçou as autoridades a reforçar a segurança das eleições, desestimulou eventuais fraudadores e, de quebra, ainda manteve a porta aberta para justificar até uma eventual derrota — indícios de um pouco mais de tranquilidade na reta final.
Na segunda-feira 24, porém, a campanha de Jair Bolsonaro apresentou uma nova suspeita que, se confirmada, teria potencial para criar uma imensa confusão. A equipe do presidente informou ao TSE que rádios no Norte e no Nordeste estariam exibindo mais programas eleitorais de Lula do que de Bolsonaro, o que é ilegal e estaria desequilibrando a disputa. Reclamações pontuais sobre erros na divulgação de inserções de rádio não são exatamente uma novidade. O assunto chegou a ser tratado de maneira amistosa em uma reunião na semana passada entre o presidente do TSE e representantes das campanhas. No entanto, de acordo com o ministro das Comunicações, Fábio Faria, descobriu-se que Bolsonaro teve 154 000 inserções a menos que seu adversário.
Instada por Alexandre de Moraes a apresentar provas da acusação, a equipe do presidente protocolou uma lista de emissoras que supostamente teriam praticado a fraude para beneficiar o candidato do PT. Na quarta-feira 26, o ministro não só indeferiu o pedido de investigação como ainda determinou ao Ministério Público que apurasse a tentativa da campanha de Bolsonaro de tumultuar o processo eleitoral. Antes disso, o caso já havia viralizado nas redes sociais e fornecido argumentos para os radicais voltarem a questionar a lisura do pleito. Às vésperas do segundo turno da disputa mais renhida dos últimos tempos, coube ao vice-presidente general Hamilton Mourão, agora senador eleito, vocalizar o que se espera como desfecho das antigas e também novas teorias amalucadas. “No dia 30 de outubro será proclamado o resultado das urnas, e esse assunto morreu”, disse ele a VEJA. Não há mais espaço para artimanhas e invencionices.
Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813