Em maio do ano passado, quando o Senado estava prestes a tornar a então presidente Dilma Rousseff (PT) ré por crime de responsabilidade, afastando-a do cargo, o então vice-presidente Michel Temer (PMDB) enviou um interlocutor para chamar integrantes da força-tarefa da Lava Jato para um encontro. O emissário era o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), que foi a uma premiação da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), em Brasília, para fazer o convite diretamente aos Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobon, que compõem o núcleo duro da operação em Curitiba com Carlos Fernando Lima. O convite foi recusado, mas os procuradores aproveitaram o momento para pedir a manutenção da equipe da PF que conduzia a Lava Jato.
A proposta de encontro foi lembrada nesta segunda-feira pelo procurador Lima ao ser questionado sobre o que achou de Raquel Dodge, a nova procuradora-geral da República , ter se reunido com Temer no Palácio do Jaburu, às 22 horas do último dia 8. A audiência não constava na agenda oficial da Presidência e ocorreu justamente no mesmo dia em que o peemedebista pediu a suspeição de Rodrigo Janot, atual procurador-geral, ao Supremo Tribunal Federal (STF).
“Nós acreditamos que não era conveniente [ir ao encontro], porque naquele momento não havia porque conversar com o eventual presidente. Nós acreditávamos que esse tipo de reunião naquele momento não teria uma repercussão positiva para a Lava Jato”, disse ele, após participar de um evento sobre compliance na Câmara Americana de Comércio (Amcham), na Zona Sul de São Paulo.
O procurador afirmou que não cabe a ele se pronunciar sobre o caso de Dodge, mas comentou não ser ideal encontros de servidores públicos fora da agenda. “Posso falar por nós. Tivemos uma situação semelhante e nos recusamos a comparecer”, afirmou. Segundo Lima, a nova procuradora-geral “será cobrada pelas consequências” da reunião com Temer. “Não há como fugir da responsabilização perante a sociedade.”
Um dos assessores mais próximos do presidente, Rocha Loures ficou conhecido como o “homem da mala”. O ex-deputado, que chegou a ser preso, foi flagrado em abril correndo por uma rua dos Jardins, em São Paulo, carregando uma mala estufada de propinas da JBS — 10.000 notas de 50 reais, somando 500.000 reais em dinheiro vivo. O dinheiro foi entregue pelo diretor da JBS Ricardo Saud como suposto pretexto para resolver um problema da empresa no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), numa ação controlada da PF.
O flagra serviu de base para a denúncia por corrupção passiva que a PGR apresentou contra Temer — e que a Câmara dos Deputados decidiu não enviar ao STF. Segundo Janot, 0 ex-deputado era “um verdadeiro longa manus de Temer” — definição para executor de crime ordenado pelo topo de uma organização criminosa. Como a Câmara rejeitou dar prosseguimento ao processo envolvendo o presidente, a acusação contra Loures “desceu” para a primeira instância.
Dodge se defende
Neste domingo, a PGR divulgou uma nota dizendo que o encontro estava registrado na agenda de Dodge, apesar de não aparecer na de Temer, e que ele foi motivado por “fatos institucionais”. Segundo o texto, Dodge queria falar ao presidente sobre a necessidade de a sua posse acontecer antes de ele viajar aos Estados Unidos para a abertura da Assembleia-Geral da ONU. O Ministério Público Federal ficaria nesse período sem um titular — daí a necessidade de empossá-la antes.
A nota também diz que Dodge “fez ver” a Temer “ser próprio e constitucionalmente adequado” que a cerimônia da posse fosse sediada na PGR – o Palácio do Planalto chegou a ser cogitado.
Dodge também enviou a Janot um ofício para explicar os motivos do encontro, realizado horas após a defesa de Temer pedir ao STF o afastamento do procurador-geral do comando das investigações que envolvem o peemedebista. O presidente argumentou, por meio de seus advogados, que sofre perseguição de Janot por motivo de inimizade. Lima criticou o pedido e disse acreditar que o STF vai rejeitá-lo por “não ter nenhum fundamento”.
Lava Jato
Apesar das considerações, o procurador disse não acreditar que a Lava Jato será impactada pela troca no comando do Ministério Público Federal (MPF). Ele recordou que a força-tarefa de Curitiba também teve alguns problemas com Janot, que Dodge tem “um histórico muito forte na área criminal” e uma equipe “excelente” que atuou no caso do mensalão.
Como substituta de Janot, Dodge terá a missão de chefiar as investigações da PGR, o que inclui a Lava Jato em Brasília. Ela foi escolhida por Temer com base em uma lista tríplice (foi a segunda mais votada por parte de membros do MP) e aprovada pelo plenário do Senado.