Chegar à presidência de uma Assembleia Legislativa é ponto alto na carreira de um deputado estadual. Pelas mãos de quem segura a valiosa caneta passam verbas, cargos, salários e alianças capazes de catapultar o ocupante da cadeira a bons postos na política. No Rio de Janeiro, a vaga tem um sabor especial, já que, nos últimos tempos, crises em série assombram o Palácio Guanabara, a sede do Executivo, o que acaba por revestir de poder o número 1 da Alerj. Atualmente, é o advogado Rodrigo Bacellar, 44 anos, deputado do União Brasil em segundo mandato, o dono do mais influente gabinete da Casa. Ambicioso, ele foi amealhando apoios e se embrenhando em todas as esferas até ditar, de forma incisiva, os rumos no estado.
Sob as asas do deputado que emergiu em Campos, no norte fluminense, onde seu pai foi o primeiro da família na política, estão hoje as secretarias de orçamentos mais vultosos do governo de Cláudio Castro. São também as que oferecem cargos estratégicos na segunda maior máquina pública do país. Bacellar nomeou os titulares de pastas como Fazenda, Assistência Social e Educação, além de manter o controle das polícias civil e militar e do almejado Departamento de Estradas de Rodagem (DER). “Ninguém apita mais do que ele no Palácio”, diz um dos mais próximos auxiliares de Castro. “Ele é hoje quem manda de fato. Isso é público e notório”, dispara Anthony Garotinho, ex-governador do Rio e adversário do presidente da Alerj, com quem disputa terreno em Campos.
A recente troca no comando da Polícia Militar, em abril, contudo, foi motivo de rara manifestação pública de Bacellar, que nega ter influência nas mudanças na corporação. Em ofício enviado pelo secretário de Segurança Pública, Victor Santos, ao governador, foi pedida a troca do então comandante, o coronel Luiz Henrique Pires, pelo seu par Ranulfo Brandão. Pouco depois, no entanto, ficou acertado que o titular da pasta seria Marcelo de Menezes Nogueira, e não o indicado inicialmente por Santos, que acabou nomeado em outro cargo na cúpula da PM. A escolha por Menezes é atribuída ao grupo político do presidente da Alerj, que em publicação nas redes, disse que não teve “interferência alguma” no episódio. E que isso teria sido “plantado” por “covardes que se escondem” para “blindar o governador e me expor”. A Secretaria de Segurança, por sua vez, ressalta que “a escolha foi do governador”, a partir de lista enviada por Santos.
Na porta do gabinete de Bacellar formam-se frequentes filas de parlamentares, recebidos um a um sempre com bolo e café, em conversas olho no olho. O presidente da Assembleia, que também comanda seu partido no estado, é conhecido por não querer papo por telefone. Os mais chegados ele convida para sua confortável casa em Teresópolis, na serra, para onde se deslocou por mais de uma vez a bordo de um helicóptero emprestado de uma das grandes empreiteiras que prestam serviço ao governo — caso que levantou suspeitas do Ministério Público de que teria recebido outras “vantagens indevidas”. Quando está com sua turma, ele não esconde a obsessão de conquistar o governo do estado no pleito de 2026, ambição jamais confessada em público.
Seus planos podem esbarrar, contudo, em um processo apreciado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio que apura se Bacellar, ao lado de Castro, arquitetou um esquema irregular de contratação de 27 000 funcionários por meio da Fundação Ceperj e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Uma parte deles teria atuado como cabo eleitoral na campanha para a reeleição do governador, em 2022; a outra, apenas retirado dinheiro na boca do caixa sem nunca trabalhar. O maior volume, segundo o MP, foi sacado justamente em uma agência de Campos, a área do presidente da Alerj: 12,1 milhões de reais. Na época, ele era secretário de governo e, nas palavras do desembargador Peterson Simão, o relator, era “o gênio do mal” por trás da engrenagem. Bacellar bem que tentou desmembrar o processo, descolando-se de Castro por ver aí mais chances de se livrar do enrosco e também de ocupar imediatamente o cargo de governador caso a chapa seja definitivamente cassada (Thiago Pampolha, vice de Castro, também está incluído na ação). A tática, porém, foi derrubada pelo TRE, que nesta quinta-feira, 23, também absolveu o presidente da Alerj e o mandatário estadual por 4 votos a 3, em um resultado considerado uma “grande vitória” pelos réus. Agora, os próximos capítulos estão reservados ao Tribunal Superior Eleitoral, já que o Ministério Público prometeu recorrer. Por ora, todos permanecem no cargo.
A aproximação entre Bacellar e Castro se deu quando o agora governador ainda era vice e ele, um desconhecido representante do baixo clero. No momento em que a Casa rompeu com Wilson Witzel, então titular no Palácio, Bacellar foi alçado a relator do processo de impeachment na Alerj, graças a sua notória destreza no mundo jurídico. Uma vez na função, manobrou para que o caso fosse adiante e articulou para aprová-lo. Saiu da batalha como homem forte do novo governo, àquela altura sem interlocução com deputados e prefeitos. Habilidoso, conseguiu arregimentar uma base de apoio que se revelou fundamental ao sucesso de Castro nas urnas. Com essas credenciais, o salto à presidência da Alerj era um passe quase natural.
Bacellar é visto com boa frequência no Guanabara, onde almoça com o governador. A relação é boa, mas tem seus altos e baixos. O presidente da Alerj não fica constrangido quando “precisa” contrariar o chefe do Executivo. Ao saber que Castro não estava disposto a lhe ceder o controle das secretarias de Saúde e de Administração Penitenciária, não hesitou em instalar na Assembleia a CPI da Transparência, com o objetivo de trazer à luz números de cada pasta. Habilmente, os cargos-chave da comissão foram entregues a gente de sua extrema confiança. “Ao que tudo indica, só vão investigar as secretarias que não estão sob a responsabilidade dele”, avalia um deputado.
Entre os figurões da política fluminense, o ex-governador Sérgio Cabral, que se livrou de condenações diversas por corrupção no âmbito da Operação Lava-Jato, é um dos mais próximos de Bacellar e costuma lhe dar conselhos. “Somos amigos”, disse a VEJA Cabral, cujo filho, Marco Antônio, virou assessor especial do presidente da Assembleia. Centralizador, Bacellar, que preferiu não falar com a reportagem, é dado a distribuir favores e lembrado pela frieza ao atropelar adversários, como fez com Pampolha. Filiado ao União Brasil, o vice de Castro foi obrigado por Bacellar a migrar para o MDB para não atrapalhar o projeto do presidente da Alerj de concorrer ao governo em 2026, posição que Pampolha também almeja. Resta saber, antes de tudo, quem estará vivo até lá.
Publicado em VEJA de 24 de maio de 2024, edição nº 2894