Ele só fala nos autos
O juiz Luiz Antonio Bonat assume o posto que foi de Sergio Moro em Curitiba e passa a comandar a Lava-Jato, que continua viva após cinco anos
É a corte mais conhecida do Brasil: 13ª Vara Federal de Curitiba, na qual grandes empreiteiros, políticos e até um ex-presidente da República foram julgados por corrupção. Após quase cinco anos como estrela maior de Curitiba, Sergio Moro trocou o posto pelo Ministério da Justiça. O juiz federal Luiz Antonio Bonat, de 64 anos, assumirá como juiz titular da vara na quarta-feira 6. Com 25 anos de magistratura, Bonat é o mais experiente entre os juízes da 4ª Região da Justiça Federal, que reúne os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Para assumir o novo gabinete, deixou uma vara especializada em casos previdenciários, também em Curitiba, sua cidade natal. Ao longo da carreira, julgou crimes financeiros como lavagem de dinheiro, experiência que será crucial para os casos da Operação Lava-Jato.
Embora dezoito anos mais velho que Moro, Bonat teve uma carreira algo semelhante à do agora ministro. Depois de atuar em Foz do Iguaçu, onde ocupou seu primeiro posto de juiz, Bonat trabalhou na 3ª Vara Federal de Curitiba, e ali, ainda como juiz substituto, tomou algumas das primeiras decisões do caso Banestado, no qual Moro também atuou. No escândalo de gestão fraudulenta no banco estatal paranaense, praticada por funcionários públicos, políticos e doleiros, estava envolvido Alberto Youssef, o pivô da Lava-Jato. Durante a atuação no caso, Bonat tornou réu o ex-governador de Sergipe João Alves Filho, acusado de obter empréstimos fraudulentos para sua construtora — Alves Filho apelou para o Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, que arquivou a ação penal.
A sentença de Bonat que alcançou a maior notoriedade no mundo jurídico foi proferida na Comarca de Criciúma, em Santa Catarina, em 2002, quando — pela primeira vez na história da Justiça brasileira — uma empresa foi condenada por crime ambiental. Era uma pequena mineradora que extraía areia ilegalmente de um rio, o que provocava a destruição da vegetação local. Bonat multou a empresa em 10.000 reais e condenou o proprietário a sete meses de prisão, revertidos em trabalho de conservação de parques da cidade.
“A importância da decisão não está nos valores nem nos atores envolvidos, mas na inauguração de uma doutrina”, avalia Vladimir Passos de Freitas, juiz federal aposentado, que conhece Bonat desde a década de 80, quando o hoje juiz da Lava-Jato era técnico do Judiciário. Antes de ingressar na magistratura, Bonat trabalhou quinze anos como servidor do Judiciário federal. Segundo Freitas, a experiência adquirida nos cartórios e nos gabinetes contribuiu para que Bonat se tornasse “profundo conhecedor dos instrumentos e meandros do Judiciário”.
De origem italiana, filho de sapateiro, Bonat começou a trabalhar na adolescência, quando ingressou no colégio técnico de contabilidade. Cursou a faculdade de direito em Curitiba no turno da noite e especializou-se em direito público na Universidade Federal do Paraná. Em 1978, antes de formar-se em direito, prestou concurso para técnico do Judiciário federal, e nunca mais saiu dos tribunais federais.
Definido como “discretíssimo” e “reservadíssimo”, Bonat é realmente avesso a holofotes. “Ele não vai dar palestras, não vai escrever artigos para se promover nem, menos ainda, dar entrevistas”, prevê um juiz que o conhece de perto. Casado e pai de dois filhos — uma médica e um advogado —, Bonat vive confortavelmente, mas sem ostentação. Parentes e colegas de toga surpreenderam-se tempos atrás quando o juiz passou a circular com uma moto Harley-Davidson de 1.200 cilindradas. “Destoa um pouco da imagem dele de muito certinho e reservado. Mas é uma paixão antiga, o único luxo a que ele se deu o direito”, disse um familiar, que pediu para manter seu nome no anonimato.
Ao assumir o gabinete mais famoso da Justiça federal brasileira, Bonat herdará pelo menos quarenta ações penais da Lava-Jato. Prestes a completar cinco anos, no próximo dia 17 de março, a maior investigação de corrupção da história do país ainda produz manchetes. Há pouco, sua sexagésima fase estremeceu o ninho tucano com a prisão de Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, operador do PSDB. E a Polícia Federal acaba de intimar o ex-presidente Lula, preso em Curitiba, a depor no dia 22, no inquérito baseado na polêmica delação de seu ministro Antonio Palocci. Se algo resultar daí, Bonat deverá julgar o caso. Não há escapatória: ele estará sob os holofotes.
Publicado em VEJA de 6 de março de 2019, edição nº 2624
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