Eleição em SP: Propostas para retomada econômica são velhas e populistas
Para tentar combater o rastro de destruição provocada pela Covid-19 na cidade, postulantes à prefeitura recorrem a ideias de difícil execução
A Covid-19 vai pôr à prova a máxima de que o prefeito é uma espécie de síndico que deve se preocupar apenas com o funcionamento do município. Na cidade de São Paulo, a pandemia deixou um rastro de destruição que vai obrigar o próximo gestor a ser muito mais do que um mero zelador. A doença não só matou mais de 13 000 paulistanos, como provocou um desastre econômico. Foram extintas 113 452 vagas de trabalho, enquanto 12 000 bares e restaurantes e 17 000 estabelecimentos comerciais baixaram as portas. O prejuízo para o varejo é estimado em 16 bilhões de reais, e a prefeitura deve perder 7,1 bilhões de reais em arrecadação. Com o uso de 2,8 bilhões de reais para combater a Covid-19, a atual gestão, comandada por Bruno Covas (PSDB), que tenta a reeleição, poderá fechar 2020 com um rombo de 10 bilhões de reais. Um desafio que não permitirá um comportamento aventureiro nem timidez do político que estiver à frente da maior cidade do Brasil em 2021.
Com esse cenário desafiador, esperava-se que os planos dos candidatos contemplassem propostas objetivas, ambiciosas e de execução factível para superar os problemas. Não é o que acontece. Em sua maioria, elas soam generalistas demais, isso quando não são requentadas de pleitos anteriores, como gerar empregos por meio da desburocratização, da qualificação de profissionais ou do incentivo ao turismo. “O prefeito não faz política monetária nem política fiscal, não tem Banco Central nem faz ações que estimulam a economia como um todo”, justificou Bruno Covas (PSDB) em sabatina do projeto VEJA E VOTE, que realizou entrevistas com os principais candidatos de São Paulo (confira em https://www.veja.com.br). É certo que há atribuições que escapam à competência dos prefeitos e que estes se veem cada vez mais encurralados por orçamentos apertados e uma lista crescente de obrigações em saúde, educação e segurança, mas o momento exige o mínimo de arrojo e de criatividade para lidar com uma situação fora do normal.
Além da modéstia de ideias, o debate parece ter sido sequestrado por um certo populismo, como as promessas de criar um programa nos moldes do auxílio que alavancou a popularidade de Bolsonaro. Apoiado pelo presidente, Celso Russomanno (Republicanos) diz que dará um acréscimo de até 20% a usuários do programa federal que vai substituir o Bolsa Família. Acontece que a iniciativa de Russomanno tem sérias dificuldades de ser viabilizada por limitações de caixa — e o mesmo deve acontecer com qualquer benefício do tipo no âmbito municipal. Guilherme Boulos (PSOL) promete usar o caixa da prefeitura de 17 bilhões de reais para tornar viável o que chama de Renda Solidária (até 400 reais mensais). O problema é que o cofre paulistano não está tão cheio assim. Segundo o Tribunal de Contas do Município, 8 bilhões de reais são recursos cuja aplicação é fixada em lei. E os demais 9 bilhões podem evaporar até o fim de 2020. “Sou a favor de uma renda universal, mas essas propostas não parecem exequíveis”, diz Maria Florencia Ferrer, doutora em sociologia pela USP e especialista em inovação do setor público.
O apego à verba pública que não existe se manifesta em outras propostas. Boulos quer frentes de trabalho contra o desemprego e adiar o IPTU para ajudar empresas — isso num cenário de queda da receita, que já reduziu em 1,4 bilhão de reais o orçamento para 2021 (de 67,5 bilhões de reais). Covas também acena com frentes de trabalho e fala em incentivar o que chamou de “economia criativa” (cultura, grandes eventos e startups), mas não entra em detalhes do plano. Márcio França (PSB) propõe emprestar 3 000 reais a 150 000 empresas, o que daria 450 milhões de reais. Além do rombo deste ano e da queda na arrecadação, há outra consequência da pandemia: a previsão de alta de gastos em saúde e educação em razão da migração de pessoas que não têm mais como pagar serviços privados.
É verdade que a enxurrada de propostas superficiais ou inexequíveis não ocorre apenas na eleição paulistana. A disputa americana entre Donald Trump e Joe Biden é igualmente rasa na questão de programas e, em 2018, Bolsonaro ganhou apoio do mercado prometendo zerar o déficit público em 2019 e vender todas as estatais — nada disso ocorreu. Embora obrigatórios por lei, os programas de governo entregues à Justiça brasileira quase sempre são um conjunto de generalidades. Algumas vezes, puras peças de ficção. “Esse é um fenômeno de longa data nos processos eleitorais”, diz o economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper. Para boa parte dos eleitores no país, o nome dos políticos é mais importante que suas propostas. “Sabendo disso, os candidatos tentam ganhar votos com mensagens pouco específicas”, completa Mendes. Nesse jogo de enganação, em que os políticos fingem que têm um plano e a população não presta muita atenção ao que é dito, a democracia sempre sai perdendo. Uma cidade com tantos problemas como São Paulo, multiplicados agora pela pandemia, merece ser levada mais a sério.
Publicado em VEJA de 28 de outubro de 2020, edição nº 2710