Como é de praxe, o juiz Sergio Moro utiliza suas decisões na Operação Lava Jato para mandar recados e defender teses que considera essenciais à operação. Desta vez, na decisão que mandou para trás das grades o empreiteiro Gerson Almada, ex-vice-presidente da Engevix, o “alvo” do juiz foi o Supremo Tribunal Federal (STF) e os “rumores” de que a Corte voltará a barrar a prisão em segunda instância.
Almada foi condenado a 34 anos e vinte dias de prisão, pelos crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e pertencimento à organização criminosa. O despacho em que determinou que a pena seja executada após o final dos recursos de Almada no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) foi o palco para a reação do juiz a um movimento que pretende rever o entendimento.
Para Moro, uma alteração como essa seria “desastrosa para os avanços havidos recentemente em prol do fim da impunidade da grande corrupção no Brasil”.
O juiz federal reservou quase metade do despacho desta segunda-feira para o assunto. De forma inédita, resolveu dar nome aos ministros que seriam favoráveis a essa “alteração desastrosa”. “Espera-se, enfim, que a jurisprudência que nos permitiu avançar tanto e que é legado do ministro Teori Zavascki não seja revista, máxime por uma Corte com o prestígio do Supremo Tribunal Federal e por renomados ministros como Rosa Weber, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski“, escreveu o magistrado.
Rosa, Celso, Toffoli, Marco Aurélio e Lewandowski foram os votos derrotados, em 2016, contra a prisão em segunda instância. Deste então, Gilmar Mendes, sempre que pode, vai a público dizer que mudou de ideia, quando não argumenta que a divergência já é suficiente para tomar uma decisão diferente do que a que está em validade hoje, soltando outros condenados na mesma situação de Almada.
Uma mudança, prossegue Moro, “comprometeria novas prisões de condenados poderosos” e “afetaria a efetividade de dezenas de condenações pretéritas [anteriores] por corrupção”. “Apenas seria concedido, sem a avaliação da prova, a criminosos condenados tempo para buscar prescrição e impunidade, à custa da credibilidade da Justiça e da confiança dos cidadãos de que a lei vale para todos”.
Leia na íntegra o despacho (e o discurso) do juiz.
Lula
O principal caso que seria afetado por uma decisão do Supremo nessa questão é o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Condenado em segunda instância pelo TRF4, Lula poderá ser preso tão logo se esgotarem seus últimos recursos na Corte.
A situação do petista aumentou a cobrança sobre os ministros, pressionados a julgar o habeas corpus preventivo do ex-presidente ou as ações que contestam a execução provisória como um todo, a tempo de evitar que ele vá para atrás das grades. É fato, também, que o caso não diz respeito apenas a ele.
Em manifestações, instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ressaltam que há milhares de pessoas presas no Brasil em situação semelhante, com recursos e apelações pendentes. A OAB alega, assim como os ministros alinhados à sua tese, de que a prisão antecipada fere a presunção de inocência, citando o trecho da Constituição que estabelece que alguém só seja considerado culpado ao final do processo.
Os defensores do atual entendimento, como Moro, se baseiam em dois argumentos distintos: que prender é diferente de atestar alguém definitivamente como culpado e que a fase de “formação da culpa” vai até a análise de provas, o que se encerraria na segunda instância. O STF e o STJ, nessa percepção, se limitariam a analisar apenas questões processuais.