Desde o fim do ano passado, quando a avaliação positiva do governo começou a despencar, Jair Bolsonaro tem um plano para recuperar a popularidade e fortalecer sua candidatura à reeleição: vacinar a população contra a Covid-19, impulsionar a atividade econômica e ampliar o principal programa federal de transferência de renda. Após uma demora inicial, a imunização avançou, mas ainda não foi capaz de estancar a sangria na imagem do presidente. Já o crescimento do PIB em 2022, apesar das previsões otimistas do ministro Paulo Guedes, pode ser modesto ou nem mesmo ocorrer. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta expansão de 1,5% no próximo ano. Um grande banco estima uma retração de até 0,5%. Não à toa, o Palácio do Planalto definiu como prioridade nos últimos dias a votação da chamada PEC dos Precatórios, que garante recursos para financiar a implantação do Auxílio Brasil, programa criado pela gestão Bolsonaro para substituir o Bolsa Família. O texto foi aprovado em primeiro turno pela Câmara. Para entrar em vigor, precisa ser avalizado em segundo turno pelos deputados e depois pelo Senado.
Idealizada para driblar as restrições impostas pelo teto de gastos, a PEC dos Precatórios abre espaço para mais 90 bilhões de reais em despesas no ano eleitoral. Parte desse valor será usada para ampliar de 14,7 milhões para 17 milhões o número de pessoas beneficiadas pelo Auxílio Brasil — e também para reajustar o tíquete médio de 189 reais, como ocorria no Bolsa Família, para 400 reais. Com a iniciativa, Bolsonaro quer reverter a deterioração de sua imagem principalmente entre quem ganha até dois salários mínimos, grupo no qual a aprovação ao seu governo caiu 20 pontos porcentuais desde o fim do ano passado. A dúvida é se dará certo. Até expoentes do Centrão, grupo que forma a principal base de apoio do governo no Congresso, admitem que a carestia pode neutralizar os efeitos do reajuste do valor do benefício a ser dado com o Auxílio Brasil. Nos doze meses encerrados em setembro, a inflação atingiu 10,25%. No caso dos alimentos, o aumento foi ainda maior. Carnes e arroz, por exemplo, subiram cerca de 30%. “Eleição é economia. Basta a economia estar bem que tudo vai bem. A inflação não é fácil de resolver”, admite o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR).
A inflação se tornou uma ameaça real à reeleição porque a população, segundo as pesquisas, responsabiliza o governo pelo problema. “No caso do emprego, as pessoas dividem a culpa: uma parte pode ser culpa do governo e a outra da própria pessoa, mas a inflação é 100% depositada na conta do governo. E essa narrativa, de que a pessoa consumia carne e outros produtos e teve de parar ou reduzir o consumo, é algo que bate de maneira muito forte”, diz Leonardo Barreto, doutor em ciência política pela Universidade de Brasília. Quando planejou o Auxílio Brasil, Bolsonaro pretendia enterrar o nome Bolsa Família, associado às administrações do PT, cujo pré-candidato ao Planalto, o ex-presidente Lula, lidera as pesquisas de intenção de voto. Na prática, Bolsonaro quer tomar para si a paternidade do programa social e receber dividendos eleitorais hoje destinados ao rival.
“Quando implanta um programa desse tipo por razões de competição eleitoral, um governante se dirige para o eleitorado e diz: votem em mim porque o meu adversário vai descontinuar o programa”, lembra Marta Arretche, professora de ciência política da USP. Foi exatamente o que os petistas fizeram ao disputar com os tucanos em 2010. “Mas contra o Lula isso não funciona”, acrescenta a professora, referindo-se ao fato de o ex-presidente ter como um dos principais legados justamente o Bolsa Família.
Além de bancar o Auxílio Brasil, a PEC dos Precatórios abre espaço para uma série de gastos de interesse da classe política. Entre eles, o aumento do fundo eleitoral e a manutenção das controversas emendas de relator, que são pouco transparentes e liberadas pelo governo em troca de apoio parlamentar. Apesar de essas medidas enfrentarem a resistência da equipe econômica, Bolsonaro tende a apoiá-las, já que são demandas de partidos que atualmente defendem a sua reeleição. A meta do presidente é formar uma ampla aliança eleitoral em 2022, capaz de lhe garantir um bom tempo de propaganda eleitoral na TV, que seria aproveitado para, entre outras coisas, insuflar o antipetismo. “A única coisa que pode beneficiar o Bolsonaro é o crescimento do antipetismo. A rejeição ao Lula é alta”, diz Marta Arretche. A análise soaria como música aos ouvidos de Bolsonaro não fosse um detalhe. Com a eventual entrada de Sergio Moro na corrida presidencial, o presidente terá um adversário à altura para disputar com ele os votos daqueles que não querem a volta do PT ao poder.
Colaborou Letícia Casado
Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2021, edição nº 2763