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Erros nas pesquisas dão margem a nova campanha contra empresas do setor

Na visão de Bolsonaro e de seus aliados, o rival foi beneficiado pela percepção de que o petista poderia liquidar a eleição já no primeiro turno

Por Reynaldo Turollo Jr. Atualizado em 4 jun 2024, 11h50 - Publicado em 7 out 2022, 06h00

arte pesquisas

Em busca da reeleição, a campanha do presidente Jair Bolsonaro chegou ao segundo turno unida contra um novo inimigo número 1: os institutos de pesquisa. Vários deles apresentaram levantamentos na véspera do primeiro turno que divergiram bastante do resultado das urnas — fora da chamada margem de erro, portanto. Um dos pontos mais questionados foi a diferença de Bolsonaro para o primeiro colocado, Luiz Inácio Lula da Silva: 5,23 pontos porcentuais, enquanto as últimas sondagens, feitas por Ipec (antigo Ibope), Datafolha, Quaest e Ipespe, projetavam vantagens ao petista entre 11 e 14 pontos. Na visão do presidente e de seus aliados, o erro acabou beneficiando o rival ao difundir no país uma percepção de que o petista poderia liquidar a eleição já no primeiro turno.

As baterias voltaram-se principalmente para o Datafolha e o Ipec, que são os institutos mais tradicionais do mercado. Ambos tentaram refutar a alegação de que suas pesquisas tiveram erros metodológicos. Os responsáveis por essas empresas atribuíram a grande diferença a uma migração de última hora dos votos de Ciro Gomes, Simone Tebet e indecisos para Bolsonaro. Isso explicaria por que o atual mandatário tinha 37% e 36% dos votos válidos, respectivamente, mas nas urnas acabou obtendo 43,2%. Responsável pelo Datafolha, Luciana Chong lembrou que, de acordo com os levantamentos de sua empresa, 13% diziam que poderiam mudar o voto na última hora, sendo possível que a maioria tenha ido para o presidente. O Ipec foi numa linha semelhante, afirmando que a votação maior de Bolsonaro “ocorreu por tendências também já apontadas pela pesquisa”. O nível de polarização extrema pode ainda ter contribuído para uma migração de votos de última hora, segundo alguns especialistas. “Com certeza, esse porcentual para Bolsonaro já existia, mas as pessoas estavam escondendo”, aposta o sociólogo Reginaldo Prandi, professor emérito da USP que acompanha eleições há mais de quarenta anos.

FESTA - Onyx: o candidato ao governo gaúcho superou o favorito Leite nas urnas -
FESTA - Onyx: o candidato ao governo gaúcho superou o favorito Leite nas urnas – (Jefferson Bernardes/Agência Preview)

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Apesar de algumas dessas hipóteses serem até razoáveis, inegavelmente, o fato é que os institutos divulgaram pesquisas até as vésperas do pleito sem detectar o real tamanho da suposta movimentação pró-Bolsonaro. Além disso, embora mudanças de humores às vésperas das eleições sejam mesmo possíveis, raramente se viu na história algo desse nível, o que pode sugerir algum tipo de distorção na série histórica dessas sondagens. Ironicamente, uma das empresas mais criticadas nos bastidores por concorrentes e políticos foi a que chegou mais perto do resultado final. Dois dias antes do primeiro turno, o Paraná Pesquisas cravou que a distância entre Lula e Bolsonaro era de apenas 7 pontos, acertando na margem de erro. “Nosso forte é ter um conhecimento maior dos cenários regionais”, afirma Murilo Hidalgo, diretor do instituto.

Mesmo com os problemas evidenciados pelos resultados, não há nenhum indício de má-fé nos trabalhos de empresas como o Datafolha e o Ipec. No currículo delas, aliás, há um número muito maior de acertos. Como ocorre em uma queda de avião, o desastre das projeções recentes pode ter sido consequência de vários fatores. Um dos principais complicadores é a taxa de abstenções. Na visão de muitos especialistas, é um erro as pesquisas das vésperas apresentarem os “votos válidos” (que excluem nulos e brancos), numa conta que embute uma projeção sobre o nível de abstenções, uma variável impossível de acertar. “Os institutos não têm como prever como será o comparecimento dos eleitores”, diz o cientista político Antonio Lavareda, diretor do Ipespe.

Crédito: instagram @astropontes
VOO ALTO - Pontes: o ex-astronauta teve quase metade dos votos em São Paulo – (Reprodução/Instagram)
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Como essa variável não afeta igualmente todos os segmentos dependendo do que ocorrer no dia da votação, as possibilidades de distorções são consideráveis. A falta de comparecimento às urnas costuma ser maior entre os eleitores pobres e menos escolarizados. Uma evidência disso é que o índice de abstenções na população total gira em torno de 20%, enquanto entre os analfabetos chegou a 51% em 2018. No primeiro turno de 2022, a taxa geral de não comparecimento foi de 20,95%. “Parte dos votos de Lula foi tragada pelas abstenções”, acredita Lavareda, já que os eleitores mais pobres são os que mais votam no petista.

Um complicador adicional é que o Brasil não dispõe de dados atualizados do Censo — o último foi feito em 2010. Sem ele, não há uma base oficial para determinar qual é a real participação dos evangélicos ou dos mais pobres na população total, entre outras informações fundamentais. Para calibrar a amostra, cada instituto faz as próprias projeções. Por fim, há riscos de distorções na aplicação da metodologia em dois aspectos: a coleta dos dados e a ponderação, que consiste em dar o peso que cada estrato da sociedade deve ter, proporcional à composição real da população em termos de sexo, renda, região, raça e religião. No caso da coleta, pesquisas presenciais, como as do Ipec, podem encontrar dificuldades para entrevistar certos grupos, como pessoas que moram em condomínios e prédios com porteiros ou em favelas. No caso da ponderação da amostra, duas variáveis utilizadas pelos institutos são problemáticas: a de renda, porque as pessoas tendem a omitir ou subestimar quanto ganham, e a de orientação ideológica, que considera em quem o entrevistado votou na eleição anterior. “Muitas pessoas que votaram em Bolsonaro em 2018 tendem a mentir ou dizem que não votaram”, afirma o estatístico Neale El-Dash, doutor pela USP no tema e fundador do site agregador de pesquisas Polling Data.

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DISTORÇÃO - Dias: líder nas sondagens no Paraná, ele foi derrotado por Moro -
DISTORÇÃO - Dias: líder nas sondagens no Paraná, ele foi derrotado por Moro – (Filipe Barbosa/Futura Press)

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Na comparação com o resultado apurado no dia 2 de outubro, os erros foram ainda mais gritantes nas disputas para os governos estaduais e para o Senado — que até agora foram menos explicados. No Rio de Janeiro, nenhum instituto deu que o governador Cláudio Castro poderia ser reeleito no primeiro turno. Surpresa também foi o fato de Onyx Lorenzoni (PL) ter chegado em primeiro na disputa pelo governo do Rio Grande do Sul, enquanto Eduardo Leite (PSDB), que liderava as pesquisas, só ganhou a vaga de Edegar Pretto (PT) por 0,04% dos votos. Também causaram estranhamento as diferenças nas projeções ao Senado em São Paulo, onde o ex-ministro Marcos Pontes (PL) chegou com folga à frente de Márcio França (PSB), e no Paraná, onde o ex-juiz Sergio Moro foi eleito e o então favorito, Alvaro Dias (Podemos), chegou em terceiro. “É comum errar mais para o Senado porque é uma eleição que desperta menos interesse dos eleitores, tem um nível de desconhecimento dos candidatos maior e é mais fácil as pessoas decidirem o voto na véspera”, diz El-Dash. Já os institutos atribuem as divergências nos estados à nacionalização das disputas locais: do mesmo modo que para presidente, teria havido um movimento de última hora que fez com que os votos migrassem para os aliados de Bolsonaro.

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Se os institutos de pesquisa já estavam no alvo do bolsonarismo, os resultados do primeiro turno ampliaram o problema e, ao que tudo indica, a gritaria vai continuar. As três primeiras pesquisas divulgadas de segundo turno seguem mostrando disparidades enormes. Segundo o Ipec, Lula largou com uma diferença de 10 pontos, considerando-se os votos válidos. Para o DataPoder, a distância é de apenas 4, e para a Quaest, de 8. É esse tipo de diferença que ajuda a dar tração a gestos como o do senador Marcos do Val (Podemos-­ES), que fez requerimento para instaurar uma CPI dos Institutos de Pesquisa. Na quinta 6, já contava com um número suficiente de assinaturas para ser aprovada. Em paralelo, o ministro da Justiça, Anderson Torres, pediu investigação da PF sobre o assunto e a campanha de Bolsonaro reclamou ao procurador-geral, Augusto Aras. Para colocar mais fogo ainda na polêmica, ministros do governo, como Fábio Faria, das Comunicações, começaram a pedir aos eleitores do presidente que boicotem as pesquisas, um tipo de iniciativa que só ajuda a criar novos problemas. As sondagens são um instrumento importante para a decisão de votos dos eleitores e seria mais útil iniciar um debate sério para ajudar na depuração desse mercado. Pesquisas vão continuar a ser úteis e necessárias, desde que consumidas com a devida moderação.

Publicado em VEJA de 12 de outubro de 2022, edição nº 2810

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