Escândalo do INSS: Homem de confiança de Alcolumbre recebeu R$ 3 mi de empresa investigada
Advogado Paulo Boudens é ex-chefe de gabinete do presidente do Congresso

Na CPMI criada para investigar o roubo nas aposentadorias, havia enorme ansiedade a respeito do depoimento do lobista Antônio Carlos Camilo Antunes. O “Careca do INSS”, como ele ficou conhecido, havia até manifestado a intenção de falar aos parlamentares. Na sexta-feira 12, porém, três dias antes do compromisso, o lobista foi preso e, na sequência, desistiu de comparecer ao colegiado. A expectativa era que ele revelasse à comissão, entre outras coisas, detalhes de suas relações com políticos que teriam facilitado a operação do esquema de fraudes que desviou cerca de 4 bilhões de reais dos contracheques dos idosos. Já é sabido que ele circulava em vários gabinetes de parlamentares.
Quais? Se ninguém confessar, isso só será conhecido daqui a um século, já que o Senado impôs 100 anos de sigilo sobre essas informações. Os membros da CPMI ainda recorreram ao presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para tentar acesso aos registros, mas ele argumentou que isso “feriria o direito à intimidade, à vida privada e infringiria a imunidade parlamentar”. A pressão para derrubar o sigilo tende a aumentar à medida que a investigação sobre o caso for avançando.
A CPMI que apura os desvios ilegais das aposentadorias dos idosos recebeu da Polícia Federal a íntegra da investigação que desmantelou o esquema. Pelo que se descobriu até agora, entidades sindicais e associações corporativas fraudavam cadastros, permitindo descontos sem autorização nas pensões dos idosos. O grupo também era integrado por funcionários do INSS e empresas encarregadas de lavar o dinheiro e criar barreiras para dificultar que se seguisse o caminho do dinheiro. A Arpar Participação e Empreendimentos pertenceria a esse segundo grupo. “Fortes indícios demonstram que a Arpar atua como empresa de passagem, pois os recursos recebidos são rapidamente transferidos para terceiros, o que dificulta o rastreamento da origem e do destino final dos valores”, diz o relatório da polícia. Entre 2023 e 2024, a Arpar recebeu 49 milhões de reais de companhias controladas pelo “Careca do INSS”, apontado como o principal operador do golpe.

Um dos “terceiros” que aparecem na lista de repasses da Arpar é uma pessoa muito próxima a Davi Alcolumbre. Trata-se do advogado Paulo Boudens, ex-chefe de gabinete do senador. Entre setembro de 2023 e fevereiro do ano passado, a empresa transferiu 3 milhões de reais para Boudens, período, aliás, em que as fraudes no INSS atingiram o seu nível mais alto. O fato de o nome do ex-assessor de Alcolumbre constar na lista de recebimentos, em princípio, não significa necessariamente algo de ilegal. Na época em que recebeu os depósitos da Arpar, o advogado era assessor parlamentar de Alcolumbre. O presidente da CPMI, senador Carlos Viana (Podemos-MG), anunciou que pretende convocar para depor todos os beneficiários dos repasses da Arpar. A suspeita é que a empresa pode ter sido usada também para ocultar pagamentos. “A quebra de sigilo bancário e fiscal é indispensável para a completa elucidação do esquema de fraudes e lavagem de dinheiro”, diz a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), autora do requerimento nesse sentido.
Na Junta Comercial de São Paulo, a Arpar se diz especialista em comércio de equipamentos de informática e prestação de serviços de informação. Na Receita Federal, ela informa desempenhar a função de holding de instituições não financeiras. “As transações com empresas de estrutura duvidosa e o uso de intermediários para a movimentação de recursos indicam uma tentativa deliberada de evitar a fiscalização bancária, além de esconder a fonte dos valores”, afirma a PF. A polícia estranhou o fato de Antunes enviar para essa associação, “sem justificativa aparente”, praticamente todo o dinheiro que recebeu de sindicatos e associações envolvidos na fraude contra os aposentados. Uma parte voltava depois para as empresas do próprio Antunes. O restante era usado para os tais pagamentos “a terceiros”, como Boudens.
Não é a primeira vez que o nome do advogado aparece ligado a uma história polêmica. Em outubro de 2021, uma reportagem de VEJA revelou a existência de um esquema de apropriação de salários de servidores do gabinete de Alcolumbre — a notória rachadinha. Durante anos, seis moradoras da periferia de Brasília, pobres e desempregadas, foram admitidas como “auxiliares” do parlamentar, mas dispensadas de trabalhar. Elas compareciam ao Congresso uma vez por mês, apenas para assinar a folha de ponto e sacar o pagamento num caixa eletrônico, e devolviam parte do dinheiro. Na época, a Procuradoria-Geral da República abriu investigação para apurar as denúncias. Boudens, então chefe de gabinete de Alcolumbre, assumiu a responsabilidade pelo crime, fez um acordo com a Justiça e se comprometeu a devolver o dinheiro desviado. Após o escândalo, ele deixou a chefia de gabinete, mas continuou trabalhando diretamente com Alcolumbre. Em agosto de 2024, foi transferido para o cargo de assessor parlamentar no conselho de assuntos políticos do Senado. Procurado por VEJA, Boudens não respondeu ao pedido de entrevista. Integrantes da CMPI estão confiantes de que seguir o caminho do dinheiro é a melhor estratégia para desvendar o esquema do roubo bilionário no INSS.
Publicado em VEJA de 19 de setembro de 2025, edição nº 2962