Nos últimos cinco anos, Sergio Moro viveu três momentos bem distintos. Como juiz da Operação Lava-Jato, foi alçado à condição de herói nacional ao quebrar a tradição de impunidade dos poderosos e levar à cadeia um grupo de políticos corruptos e empresários desonestos que se locupletavam dos cofres públicos. Depois, foi convidado para comandar o Ministério da Justiça no governo Bolsonaro. Imaginava que o posto pavimentaria o caminho para uma sonhada vaga no Supremo Tribunal Federal. O projeto não deu certo. Ele se desentendeu com Jair Bolsonaro, pediu demissão do cargo e acusou o ex-capitão de interferir na Polícia Federal para proteger os filhos. A atitude ajudou a consolidar a imagem da intransigência do magistrado com malfeitos, o que levou ao terceiro momento importante de sua carreira: o de candidato a presidente da República. Opositor de Lula, mandado para a prisão, e de Bolsonaro, mandado às favas, o ex-juiz foi celebrado como uma alternativa capaz de atrair parte dos 37 milhões de eleitores que, na época, não pretendia votar no petista nem no atual mandatário. Em novembro, Moro se filiou com pompa ao Podemos. O que ninguém imaginava é que, desse ponto em diante, ele entraria num inimaginável processo de miniaturização.
Na largada, parecia que as aspirações de Moro dariam certo. Ele chegou a atingir o surpreendente patamar de 10% das intenções de voto — marca espetacular para um noviço, atrás apenas dos favoritos Lula e Bolsonaro. Existe, porém, aquela máxima de que a política não é para amadores. O ex-juiz descobriu isso na prática. Aos poucos, acumulou uma sucessão de rasteiras que, em diferentes graus de intensidade, evidenciam seu despreparo para brigar numa arena desconhecida. Do Podemos, recebeu a promessa de que teria as condições financeiras e políticas de se cacifar como o candidato da chamada terceira via. A passagem dele pelo partido teve um pouco de tudo, menos o que havia sido prometido: intrigas, disputa de poder, cizânia por dinheiro e traições. Desconfiado de que a legenda estava apenas usando seu nome como moeda de troca para negociações e acertos políticos, em março ele se transferiu para o União Brasil, a quarta maior agremiação do Congresso. Lá, imaginou que teria o suporte necessário para finalmente viabilizar sua campanha presidencial — ao menos foi o que lhe disseram. Dois meses depois, seus planos se complicaram ainda mais. No Podemos, um nanico que tem apenas oito deputados no Congresso, Moro ainda era um gigante. No União, que tem setenta congressistas e caciques regionais de vários calibres, ele é apenas mais um.
Para se candidatar à Presidência, por exemplo, ele precisaria de três quintos dos dezessete votos da comissão executiva do partido, hipótese considerada remotíssima porque o DEM, que se fundiu com o PSL para formar a legenda, tem importantes lideranças que não suportam a ideia de ter Moro como parceiro e controla oito dos votos do colegiado. Para uma vaga ao Senado por São Paulo, ele também encontra resistências. Apesar de nas pesquisas aparecer bem nas primeiras sondagens, com patamares que variam de 14% a 22%, o ex-ministro vai bater de frente com o presidente da Câmara de Vereadores de São Paulo, Milton Leite, quadro histórico do DEM no estado e pré-candidato do União ao posto, e com deputados e candidatos a deputados, que, em pesquisa informal realizada pela agremiação, afirmaram que vincular seus projetos eleitorais ao nome do ex-juiz lhes tiraria votos. Aparentemente, Moro está num beco com pouquíssimas saídas.
Escanteado pela classe política, o ex-presidenciável, ex-ministro e ex-juiz vai diminuindo em várias direções. Ao contrário do que imaginava, seu nome não contagiou a classe média brasileira. Suas acusações também não prosperaram. Um dia antes de trocar o Podemos pelo União, a Polícia Federal anunciou não ter encontrado indícios de que o presidente Jair Bolsonaro tenha interferido ilegalmente na corporação para proteger familiares e aliados. Sem futuro político definido, o homem que foi a representação da maior operação de combate à corrupção da história do país passa hoje a maior parte dos dias cumprindo agendas paroquiais por municípios paulistas, visitando hospitais e churrascarias, e cada vez mais afastado dos grandes temas nacionais. “Sergio Moro foi um bom juiz, mas no mundo político sua inabilidade vai custar muito caro a ele”, diz a senadora Soraya Thronicke, cotada para vice numa chapa encabeçada por Luciano Bivar, o cacique que levou o ex-magistrado para o União e que agora anuncia que pretende ele mesmo disputar a Presidência.
Embora ainda alimente a expectativa de chegar ao Palácio do Planalto, o ex-ministro sabe que seu projeto está naufragando. O que parecia improvável já se revela praticamente impossível, tanto que ele mesmo admite abertamente o plano B: concorrer ao Senado por São Paulo. Os líderes do União, por sua vez, dão como certo que restará a Sergio Moro pleitear uma vaga na Câmara dos Deputados. Com a popularidade que ainda tem, acreditam que ele reúne as condições para se transformar num daqueles campeões de voto, como foi o palhaço Tiririca em eleições pretéritas. O ex-ministro, no entanto, garante que esse plano C não existe nem no terreno das hipóteses a ser consideradas. O fato é que, depois de todas essas idas e vindas, Moro se apequenou — e a ousada aventura política na qual ele apostou todas as suas fichas pode acabar num monumental fracasso.
Publicado em VEJA de 18 de maio de 2022, edição nº 2789