Ex-diretor da Meta troca emprego de alto status por cargo de R$ 7,7 mil no governo Lula
Atuação do assessor do Ministério da Fazenda tem provocado burburinho em Brasília

O economista chileno Pablo Bello Arellano mal havia deixado o cobiçado cargo de diretor de Políticas Públicas para Aplicativos de Mensagens no conglomerado do bilionário americano Mark Zuckerberg, quando foi anunciado para um posto de terceiro escalão no Ministério da Fazenda. Por pouco mais de cinco anos, havia sido dele a responsabilidade de coordenar políticas públicas com governos em toda a América Latina, discutir com parlamentares a elaboração de leis de interesse da big tech e atuar como representante do Facebook e do WhatsApp no Brasil, segundo maior mercado global do aplicativo de mensagens e entreposto estratégico para a companhia. Há quase seis meses, Bello, especialista em telecomunicações e ex-vice-secretário do governo do Chile, trocou esse emprego de altíssimo status no mundo empresarial por um salário de 7 700 reais líquidos na equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em Brasília.
Oficialmente, Pablo Bello tem como função assessorar o número 2 da pasta, Dario Durigan, que também trabalhou na Meta e até pouco tempo atrás estava subordinado ao próprio chileno no quadro de pessoal de Zuckerberg. Exceto pela curiosidade, não há nada de ilegal em um alto executivo abandonar a iniciativa privada por um salário menor na esfera pública ou passar a ser chefiado pelo antigo funcionário. Em tese, é até interessante a ideia de ter gente que conhece as big techs a serviço agora do governo. A atuação do servidor no espinhoso tema da regulação das redes sociais, porém, acendeu um sinal de alerta em alguns ministérios.
Reclamações — e, principalmente, insinuações — de que o assessor da Fazenda poderia estar atuando de forma camuflada em favor de interesses da Meta chegaram ao Palácio do Planalto. Desde o início do ano, Bello participou de pelo menos três reuniões em que se discutiram formas de combater e responsabilizar as big techs que não atuarem para coibir a disseminação de fake news, discursos de ódio e crimes em geral — uma prioridade declarada do governo Lula. O assessor, porém, remava em sentido contrário.

Nas reuniões, Bello defendeu por diversas vezes que as empresas deveriam ser sancionadas, mas fez a ressalva de que o mesmo não deveria se aplicar ao WhatsApp. O argumento dele era de que plataformas que se alimentam de conteúdos gerados por terceiros, como Facebook, YouTube e X, podem até ser alvo de moderação de conteúdo, como quer o Planalto, mas isso não seria possível no serviço de mensagens, um espaço privado e cujas conversas são criptografadas de ponta a ponta. A tese não convenceu. Com quase 150 milhões de cadastros ativos, o Brasil fica atrás apenas da Índia em número de usuários do WhatsApp. Deixar a plataforma sem regulação estava fora de cogitação. Técnicos do governo ouvidos por VEJA relataram que as pressões de Bello em favor da antiga empresa geraram incômodo e constrangimento a ponto de poucas horas antes da última reunião sobre o assunto, ocorrida em fevereiro e coordenada pela secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, em fevereiro, ele ainda ter tentado barganhar alguma folga para a Meta.
A defesa de um WhatsApp sem travas não é novidade na carreira de Bello. Quando era executivo da Meta, ele declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que o aplicativo de mensagens não poderia ter moderação de conteúdo por tratar essencialmente de conversas privadas. Disse também que mais de 90% das mensagens enviadas pelo WhatsApp no Brasil eram entre duas pessoas, e não divulgações em massa, como ocorre com os concorrentes. O governo considera, porém, que o poder de fogo do aplicativo não pode nem deve ser menosprezado. No WhatsApp é possível criar comunidades e grupos com até 2 000 participantes. Para auxiliares de Lula que discutem a regulação das redes sociais, em tempos de polarização política, ferramentas como essas têm alto potencial de difusão de fake news, discursos de ódio e mensagens criminosas.
Insufladas pelo presidente americano Donald Trump, empresas como o WhatsApp pressionam contra iniciativas pró-regulamentação. Recentemente, uma comissão da Câmara dos Deputados americana aprovou um projeto que pune autoridades estrangeiras que supostamente violam o direito à liberdade de expressão com recusa de visto e até deportação. Entre os alvos estava o ministro do STF Alexandre de Moraes, que na mesma semana havia afirmado que as big techs “querem dominar a economia e a política mundiais, ignorando fronteiras, a soberania nacional, as legislações, para terem poder e lucro”.

Nesse contexto é que há hoje um desconforto dentro de setores do governo em relação à participação importante de um ex-chefão da Meta nas discussões sobre a regulação desses gigantes de tecnologia. “Não há óbice legal à entrada de um executivo do setor privado no setor público, mas isso exige uma reflexão do ponto de vista ético”, adverte o pesquisador Sandro Bergue, membro da Sociedade Brasileira de Administração Pública.
Em nota, o Ministério da Fazenda informou que a contratação de Bello não representa conflito de interesses e disse que o assessor “possui experiência no setor público e privado, qualificação relevante para assessorar o ministério em temas de política econômica e mercados digitais”. Isolado e na contramão do que o próprio governo defende, Bello concordou no último minuto das discussões em endossar a inclusão de serviços de mensagens no projeto de regulamentação em discussão no Planalto. O estremecimento e as desconfianças que a atuação do servidor provocou durante o processo por ora foram controlados. Procurados por VEJA, ele e a Meta não quiseram se manifestar.
Publicado em VEJA de 7 de março de 2025, edição nº 2934