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Ex-secretário da Criança e do Adolescente diz que setor está abandonado

O advogado Ariel Alves, que coordenou por cem dias a área, diz que as políticas do Ministério dos Direitos Humanos não conseguem sair do campo teórico

Por Leonardo Caldas
11 nov 2023, 21h11
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  • O ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o advogado Ariel Castro Alves, foi exonerado do cargo no início de abril pelo ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida. Desde então, ele acompanha com apreensão o desenvolvimento das políticas públicas. “Vivemos em um país em que mais de 60% das crianças e dos adolescentes estão em estado de pobreza ou miséria e pouco tem sido feito”, analisa, ao desfiar críticas ao antigo chefe. Para ele, o Ministério dos Direitos Humanos tem problemas em sair da teoria para a prática e abandonou por questões de vaidade um projeto que focava na proteção das crianças e adolescentes de todo o país. Nesta entrevista a VEJA, o ex-secretário, que ficou 100 dias no governo, atribui a um encontro que teve com a  primeira-dama Janja o estopim de sua demissão:

    Qual a sua avaliação sobre o trabalho do governo na área da infância e adolescência? A gente tem visto pouco destaque para essa área. Tivemos o processo de eleição dos Conselhos Tutelares praticamente sem divulgação. Não tivemos campanhas publicitárias.  Mais de  30 mil conselheiros tutelares foram eleitos no Brasil sem a devida divulgação. Acabou que os setores mais conservadores, ligados às igrejas, fizeram um número maior de eleitores. Essa área precisa ser tratada como prioridade.

    Não é? A Secretaria Nacional da Criança e do Adolescente tinha em 2018 um orçamento de 240 milhões de reais. Quando assumimos em janeiro a previsão era de 28 milhões. Depois conseguimos mais 19 milhões para o Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente Ameaçados de Morte. Isso não é nada num país que tem uma média de 20 crianças e adolescentes assassinadas e outras cem vítimas de estupro a cada dia.  Há outros problemas graves no ministério.

    Pode dar um exemplo? Recentemente, tivemos a exoneração da coordenadora-geral do Programa de Proteção dos Defensores dos Direitos Humanos, Luciana Pivato. Ela tentou ampliar a estrutura do programa, mas não conseguiu. Hoje, o programa não tem estrutura e orçamento para oferecer a proteção.

    O ministro tem conhecimento desses problemas? O ministro tem um histórico acadêmico importante, mas está com dificuldades para tocar todas as áreas. A retomada da Comissão dos Mortos e Desaparecidos foi prometida e até hoje não ocorreu. O ministério está funcionando mais como uma ONG governamental que repercute as questões dos direitos humanos. Está longe de um órgão executor de políticas públicas. Está mais na retórica que na prática.

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    Por que o senhor foi demitido? Eu não era uma indicação do ministro. Conheci ele em um ato pela democracia em 2022.  Coordenei a área da Criança e Adolescente na transição. O ministro me via como alguém que não era de confiança, alguém que poderia se tornar uma ameaça. Tentei de todas as formas mostrar que estava trabalhando pela gestão dele, mas acho que me via como uma ameaça, talvez pela minha atuação na área, pelo fato do meu pai ser um dos fundadores do PT – Luiz Roberto Alves, professor da USP–, de ter convivido com nomes históricos do partido. Acho que ele ficou melindrado por eu ter recebido um telefonema da primeira-dama que queria conhecer a secretaria.

    Houve quebra de hierarquia? Como eu iria dizer para a Janja não ir conhecer o nosso trabalho.  Inclusive, avisei o gabinete do ministro que pediu informações sobre o agendamento. Depois disso, a relação ficou comprometida, mesmo ele tendo comparecido à reunião. Houve proibição de entrevistas. Eu fui proibido de tratar de temas que historicamente eu atuava, como a questão dos órfãos da pandemia. Um assunto que o ministro puxou pra ele e fez um grupo de trabalho que sequer fui convidado para participar. Eu tenho quase trinta anos de atuação na área, talvez por isso tenha me visto como uma ameaça.

    Nunca conversaram a respeito? Eu tentei me aproximar. Sempre fiz referência ao trabalho dele. Ele tem uma tese sobre o racismo estrutural que leva muito a sério. Eu sou filho de um dos fundadores do PT, tenho uma história na área da criança e do adolescente com casos de sucesso por onde passei. Isso pode ter gerado uma insegurança.  Lamento que um projeto que focava na proteção integral da criança e do adolescente, construído na formulação do programa de governo, com a participação da sociedade civil, tenha sido deixado de lado por vaidade.

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