Ex-secretário da Pesca ocupa apartamento funcional após deixar governo
Jorge Seif Júnior deixou a pasta em março para se candidatar ao Senado, mas ainda mantém algumas regalias
Para se filiar e disputar a reeleição pelo PL, Jair Bolsonaro exigiu do partido autonomia para indicar os candidatos que vão concorrer ao Senado nos principais colégios eleitorais do país. Pensando na reeleição, o presidente considera imprescindível formar uma grande bancada composta apenas de fiéis aliados. Em Santa Catarina, onde o mandatário, segundo as pesquisas, mantém bons índices de popularidade, o escolhido para disputar o posto foi Jorge Seif Júnior. Ex-secretário de Aquicultura e Pesca, o empresário, um neófito na política, vai apostar suas fichas na relação de “amor hétero” que afirma ter construído com o presidente. De fato, durante os três anos de governo, Seif Júnior gozou de certos privilégios no Palácio do Planalto. Foi, por exemplo, um dos mais ativos participantes das polêmicas lives semanais de Bolsonaro. Em uma de suas atuações mais marcantes, tranquilizou a população sobre a possível contaminação dos peixes do litoral do Nordeste depois de um gigantesco derramamento de óleo na região. “O peixe é um bicho inteligente. Quando ele vê uma manta de óleo, capitão, ele foge, ele tem medo”, explicou. O capitão, atento, assentiu e ainda emendou: “Obviamente, de vez em quando, fica uma tartaruga ali na mancha de óleo, para falar que ninguém fica, né? Um peixe, um golfinho pode ficar. Mas tudo bem”.
Seif Júnior deixou a secretaria da Pesca em março passado, mas ainda mantém algumas regalias — uma delas, a propósito, totalmente irregular. Mesmo exonerado do cargo e com domicílio eleitoral em Santa Catarina, ele continua morando em Brasília, num confortável apartamento funcional custeado pelos cofres públicos. Explica-se: servidores dos escalões mais altos do governo, além do salário, podem optar por esse benefício, mediante o pagamento de uma pequena taxa. Dessa forma, Seif e a esposa, funcionária da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), passaram a ocupar um imóvel de 100 metros quadrados, com quatro quartos, desde novembro de 2020. Pela lei, ele deveria ter devolvido as chaves no máximo trinta dias depois de publicada sua exoneração no Diário Oficial, o que aconteceu em 31 de março. Mas não devolveu. O ex-secretário, portanto, está há mais de dois meses usufruindo uma mordomia a que não tem mais direito.
Empresário do ramo de pescados, Seif Júnior conheceu Jair Bolsonaro em 2018. Até então, ele era apenas braço direito dos negócios da família e um admirador anônimo do candidato, com quem começou a estreitar laços após seu pai, Jorge Seif, postar um vídeo de apoio ao ex-capitão que viralizou nas redes sociais. Quando Bolsonaro foi eleito, Júnior pediu ao pai que agendasse um encontro com o presidente. A visita, segundo ele, tinha dois objetivos. O primeiro, entregar ao futuro mandatário uma lista de reivindicações do setor pesqueiro. O segundo, tirar uma foto ao lado do ídolo. Foi aí, nas palavras do próprio ex-secretário, que se operou um milagre. Bolsonaro teria ficado surpreso com a densidade com que o rapaz expôs os problemas do setor, e acrescentou um comentário: “Não tenho ninguém para a Pesca. Você entende, me deu uma aula. Então venha me ajudar no governo”. “Entrei na casa do presidente como um apoiador e saí de lá como secretário de Estado”, contou na ocasião. Seif Júnior se mudou para Brasília, instalou-se no apartamento funcional com a família e, ao que parece, gostou tanto que não pretende mais sair de lá.
Na segunda-feira 13, VEJA foi até o endereço do ex-secretário. O porteiro interfonou e foi informado que ele não estava. Naquele dia, Seif Júnior postou fotos em suas redes sociais que mostram que ele se encontrava no interior de Santa Catarina, onde participava de vários compromissos pessoais, incluindo almoço e encontros com lideranças da cidade de Laguna. Nos cadastros do governo, consta que o imóvel está sob a responsabilidade da Secretaria-Geral da Presidência da República, embora a secretaria da Pesca não tenha nenhum vínculo funcional com o órgão. Em nota, a pasta informou que já notificou o ex-secretário para devolver o apartamento. Esse procedimento burocrático, porém, nem sempre intimida os infratores. Caso insista em continuar morando no local, Seif está sujeito a uma multa mensal de 10% do salário que ele recebia como servidor, o equivalente a 1 200 reais. Se fosse pagar aluguel, ele desembolsaria no mínimo quatro vezes mais por uma moradia similar.
Publicado em VEJA de 22 de junho de 2022, edição nº 2794