Candidato de Jair Bolsonaro à presidência da Câmara, o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) tem uma série de pendências na Justiça. No Supremo Tribunal Federal (STF), ele é réu em duas ações, acusado de integrar uma organização criminosa que teria saqueado os cofres da Petrobras e de receber propina de 106 000 reais de um esquema de corrupção na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Expoente do chamado Centrão, Lira sempre rechaçou as acusações e nunca demonstrou muita preocupação com os impactos políticos desses processos. Na campanha para suceder a Rodrigo Maia (DEM-RJ), o que realmente lhe causa apreensão são as denúncias de sua ex-mulher Jullyene Lins, com quem foi casado durante dez anos. Em 2007, Jullyene processou o parlamentar por lesão corporal e relatou à Justiça ter sido espancada durante quarenta minutos com socos e pontapés. Em 2019, em entrevista a VEJA, afirmou que Lira tinha um patrimônio muito maior do que o declarado, obtido com propinas variadas e com um esquema de rachadinha quando era deputado estadual em Alagoas. A ex-mulher contou que ela mesma era funcionária-fantasma e, assim, participante da maracutaia.
“É uma extorsão. Toda vez que meu pai está em período de ascensão, ela está lá para descer o pau e tentar arrancar uma casca, um dinheiro.”
Essas duas denúncias foram arquivadas pela Justiça. No caso da lesão corporal, o STF decidiu pelo arquivamento porque a própria Jullyene recuou de seu depoimento inicial. Ela agora, no entanto, resolveu mudar de versão mais uma vez. Além de repetir que Lira embolsou o salário dela e de outros fantasmas na Assembleia de Alagoas, a ex-mulher alega que só mudou o depoimento no Supremo porque foi coagida. “Meu ex-marido disse que, se eu não retirasse a denúncia, ele ia tirar meus filhos de mim”, alegou Jullyene, que cobra de Lira na Justiça mais de 600 000 reais em partilha de bens e pensões atrasadas. Diante das posições conflitantes externadas em público pelos antigos parceiros, os filhos do casal procuraram VEJA para dar a versão deles sobre o caso. Eles garantiram que a iniciativa partiu deles, e não de Lira, que enfrenta uma disputa acirrada pela presidência da Câmara. Em linhas gerais, Arthur Lira Filho e Ana Clara Lins (que, na verdade, é enteada do deputado e filha de Jullyene) alegam que as acusações da mãe deles são infundadas e requentadas por ela toda vez que o parlamentar tenta alçar voos mais altos na política. Jullyene, segundo os dois filhos, estaria em mais uma tentativa de extorsão.
“Me machuca muito a maneira como eles estão sendo envolvidos numa situação que não lhes cabe. Isso é um golpe baixo. Meus filhos passaram por uma lavagem cerebral.”
“É uma situação que já se arrasta há muito tempo. É quase um fantasma que a gente tem certeza de que existe e que vai dar uma puxadinha no nosso pé”, afirmou Arthur Filho, de 21 anos, que há quatro anos decidiu morar em Brasília com o pai. “Eu acho triste ter de vir a público contra um familiar para tentar dar um fim a essa história. Mas eu me senti na obrigação. É uma extorsão. Toda vez que meu pai está em período de ascensão, ela está lá para descer o pau e tentar arrancar uma casca, um dinheiro”, acrescentou. Lira e Jullyene se separam em 2006. Segundo o filho do casal, apesar da ação de cobrança de pensões atrasadas, nunca faltou nada para ele e para a irmã enquanto moraram com a mãe. Ana Clara Lins, de 24 anos, também reclama da situação: “É muito chato viver nessa bolha, nesse ciclo que não tem fim, porque ela sempre vem com algo distorcido, do passado, e que prejudica a família toda. Todo mundo acaba machucado”, afirmou. Em dezembro de 2019, Ana Clara foi contratada para um cargo na CBTU, a estatal que há anos vive sob influência de Lira e que lhe rendeu a acusação de recebimento de propina de 106 000 reais. Ana faz coro ao irmão: “O que acontece é que a minha mãe sempre quis tentar extrair dinheiro dele de alguma forma”.
“O que acontece é que a minha mãe sempre quis tentar extrair dinheiro dele de alguma forma.”
Os filhos não têm condições de tratar do mérito específico das acusações de lesão corporal e rachadinha, já que eram crianças quando tais episódios ocorreram. Ambos reconheceram que Jullyene sempre esteve em casa cuidando deles, o que, de certa forma, reforça o testemunho dela de que era uma funcionária-fantasma. Jullyene conversou com VEJA por telefone. Contou que vive com medo, teme sofrer retaliações e que, por isso, saiu de Maceió. A despeito do posicionamento dos filhos, mantém todas as acusações. “Me machuca muito a maneira como eles estão sendo envolvidos numa situação que não lhes cabe. Isso é um golpe baixo. Meus filhos passaram por uma lavagem cerebral”, declarou. “Se essa história perdura por tantos anos é porque o Arthur Lira realmente manda no Judiciário de Alagoas. Manda arquivar, botar na gaveta e abafar tudo”.
Mesmo sob a pressão da ex-mulher, Lira tem avançado na disputa pela presidência da Câmara. Na semana passada, ele conseguiu o apoio de 36 dos 53 deputados do PSL, partido que até então constava como parte da aliança de seu principal adversário, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP). Fenômeno semelhante acontece no Solidariedade. Dos catorze deputados da legenda, que aderiu a Rossi, onze declararam apoio a Lira, que também garantiu a adesão do PTB. Até aqui, conquistar os votos dos colegas tem se mostrado mais fácil do que se livrar do passado personificado pela ex-mulher.
Publicado em VEJA de 27 de janeiro de 2021, edição nº 2722