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Foi só mais um tiro de festim

Demissão de Leticia Catelani da Apex é mais uma derrota para o ministro Ernesto Araújo, que está sob a estrita supervisão de Mourão e Santos Cruz

Por Edoardo Ghirotto
Atualizado em 4 jun 2024, 16h16 - Publicado em 10 Maio 2019, 07h00
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  • Letícia Caletani
    FIM DO REINADO – Leticia Catelani, ex-diretora da Apex: no Twitter, ela disse que sofreu pressão por combater a corrupção — até aqui, uma denúncia vazia (Twitter/Reprodução)

    A iniciativa da ala militar do governo de tutelar o Ministério das Relações Exteriores encerrou a estridente passagem de Leticia Catelani pela diretoria de negócios da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). A empresária, que provocou a demissão de dois presidentes do órgão, foi exonerada na segunda-feira 6, tão logo o contra-almirante Sergio Ricardo Segovia Barbosa foi empossado como novo chefe do órgão. Funcionários relatam que a notícia foi recebida com alegria na Apex, onde se ouviu até o som de uma vuvuzela. Leticia era conhecida pelos subordinados como “pistoleira”, uma referência maliciosa a seu amor por armas. Além dela, saiu o diretor de gestão corporativa, Márcio Coimbra.

    As mudanças foram mais uma derrota para o ministro Ernesto Araújo, que está sob a estrita supervisão do vice Hamilton Mourão e do general Santos Cruz. Nos bastidores da Apex, a demissão da dupla foi atribuída a decisão pessoal de Segovia, que não confiava nos diretores. Quem convive com o contra-­almirante diz que ele considera que a Apex, órgão que cuida da promoção do comércio exterior, está uma bagunça e diz que não poderia manter quem foi desleal com os seus antecessores.

    Leticia se define como seguidora de Olavo de Carvalho, o guru da direita extremista. Quem acompanhou o encontro do polemista com a comitiva brasileira em Washington, em março, conta que ela insistiu para ser apresentada ao escritor. Mas Olavo confidenciou ao seu círculo próximo que não gostou de vê-la fazendo politicagem no encontro. Ela teve mais sorte cultivando outras relações. Bolsonarista de primeira hora, Leticia é amiga do deputado Eduardo Bolsonaro. No tempo que passou no cargo, também tornou­-se uma amiga particularmente próxima do próprio chanceler Ernesto Araújo.

    Após a exoneração, a ex-diretora sugeriu, no Twitter, que foi demitida por combater a corrupção — teria resistido à pressão para manter “contratos espúrios” na Apex. Em seguida, tentou sair pela tangente dizendo que as supostas fraudes se referiam às gestões passadas, mas nada disse sobre as pressões — que, certamente, não vinham do passado. Um requerimento para que ela preste explicações na Comissão de Relações Exteriores da Câmara não foi nem colocado em votação pelo presidente do colegiado, ninguém menos que Eduardo Bolsonaro. “Achei muito fraco, apenas com base num tuíte, e achei que a vinda dela no calor dos acontecimentos poderia não ser saudável”, justificou o Zero Três. É a primeira vez que se ouve um membro do clã Bolsonaro dizer que tuíte é uma coisa desimportante.

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    A ex-diretora recebia um salário de mais de 40 000 reais mensais para gerir 81% do orçamento de 795 milhões reais ao qual a Apex tem direito. A parte do leão da agência estava nas mãos de uma empresária que importa equipamentos para máquinas industriais. Com apenas dez dias de gestão, ela conseguiu derrubar o primeiro presidente da agência, Alecxandro Carreiro, com quem havia se desentendido. Contou com o auxílio de Filipe Martins, outro olavete e assessor internacional do Planalto, para vazar à imprensa que Carreiro não falava inglês fluente. No lugar de Carreiro, entrou o embaixador Mário Vilalva. Apesar da experiência do diplomata com comércio exterior, as crises com Leticia — e também com Coimbra — se acentuaram. Vilalva foi a público queixar-se de que a dupla boicotava a assinatura de contratos e a admissão de funcionários. O motorista de Vilalva na agência, por exemplo, contou que os diretores o questionaram diversas vezes sobre os lugares para onde ele havia transportado o embaixador.

    Vilalva falava para quem quisesse ouvir que iria pedir a Jair Bolsonaro uma “intervenção militar” na Apex. Sua demissão tornou-se inevitável após ele ter concedido entrevistas reclamando não só dos diretores, mas também de Ernesto Araújo. Vilalva ficou revoltado com uma mudança no estatuto da Apex que o impedia de admitir ou demitir funcionários sem a aprovação colegiada das diretorias. O esvaziamento de suas funções foi parte de uma negociação entre Leticia e Araújo.

    A Apex ficou sem presidente por quase um mês, até a nomeação de Segovia. Araújo teve de voltar atrás na mudança do estatuto para que o novo presidente pudesse demitir os diretores. Coimbra, na ocasião, afirmou que havia pedido exoneração ao chanceler em 24 de abril — informação confirmada pelo Itamaraty. Mas funcionários dizem, reservadamente, que sua demissão constou na nota emitida pela Apex porque Segovia se irritou com o fato de o diretor demissionário estar em viagem de quinze dias ao exterior.

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    Resta saber o que a nova administração fará com os gestores e funcionários indicados pelos diretores agora defenestrados. Um dos principais aliados de Leticia na agência é o gerente de investimentos, Marco Poli, olavete convicto que propagou, em um grupo de WhastApp, uma versão curiosa sobre a briga entre Olavo de Carvalho e o general Santos Cruz: o escritor só teria atacado o general após o próprio Poli ter lhe explicado, por telefone, como estava configurado o “campo de batalha” no governo.

    A paralisia da Apex nos quase cinco meses do reinado de Leticia Catelani fez crescer o desejo de alas do Ministério da Economia de trazer a agência para debaixo do guarda-chuva de Paulo Guedes. O secretário de Comércio Exterior, Marcos Troyjo, é o principal defensor da mudança. No entanto, há o entendimento no governo de que Guedes não aceitará mais nenhum encargo antes de aprovar as reformas que dependem do Congresso.

    Publicado em VEJA de 15 de maio de 2019, edição nº 2634

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