Fora da prisão domiciliar, Queiroz mantém laços firmes com clã Bolsonaro
O ex-assessor volta discretamente à cena política e curte a vida
Em junho de 2020, quando o policial militar reformado Fabrício Queiroz, ex-assessor e amigo do clã presidencial, foi preso em Atibaia, no interior de São Paulo, um cartão de visitas achado em sua carteira chamou atenção. Nele constavam os dados do Grupo Lewis, uma empresa de segurança privada sediada no Rio de Janeiro e comandada pelo sargento da PM Luiz Carlos Chagas de Souza Junior, o Chagas Bola. Quase um ano mais tarde, ainda investigado mas agora em liberdade, o operador do suposto esquema de rachadinha, incrustado no gabinete do então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro (sem partido), está de volta à cena política — justamente pelas mãos de Bola, que, com um empurrãozinho do bem relacionado Queiroz, articula uma possível candidatura a deputado federal em 2022.
Ao manter o homem de inabalável confiança dos Bolsonaro por perto, Bola pretende reverter sua má sorte em série nas urnas: derrotado nos últimos três pleitos, após tentar as cadeiras de vereador e deputado federal pelo PSL, o sargento aposta que Queiroz funcionará como um elo precioso rumo ao apoio presidencial e de sua prole. Um dos assessores de Flávio avalia: “O fato de Bola ajudar Queiroz neste momento delicado é fundamental para reforçar a parceria com o clã”. Bola ocupa atualmente um cargo no programa Operação Segurança Presente, vitrine do governo estadual do Rio. Nas duas vezes em que a reportagem de VEJA esteve nas cercanias do apartamento de Queiroz, na Zona Oeste carioca — nos dias 14 e 20 de maio —, avistou uma patrulha do programa a poucos metros dali. Perguntados sobre o que faziam naquelas bandas, dois PMs responderam lacônicos, de dentro do veículo: “É rotina”.
Não é nova a teia que une Bola a Queiroz — e, por tabela, aos Bolsonaro. O generoso candidato empregou o filho dele, Felipe Aguiar Queiroz, na campanha a vereador, conforme afirmou à Justiça Eleitoral em 2020, e atualmente tem o jovem de 21 anos como uma espécie de “faz-tudo” em sua empresa de segurança — que, aliás, parece profícua. O patrimônio declarado de Bola mais do que dobrou desde a eleição de 2016, de 1,3 milhão reais para 3,1 milhões (400 000 reais em espécie). A estratégia de aproximação ao clã via Queiroz também dá sinais de prosperar: em 5 de maio, Bola era um dos ilustres convidados de um evento que reuniu no Rio o presidente, ministros e o governador Cláudio Castro. Ponto para o amigão que, nesses dias, prefere atuar nas sombras. “Apesar da imagem desgastada, Queiroz segue com evidente prestígio junto aos Bolsonaro”, comenta um parlamentar do PSL. A VEJA, Bola admite que emprega Felipe, mas nega que tenha recrutado Queiroz. “Ele é meu amigo”, afirmou.
Depois de um mês na cadeia e oito meses em prisão domiciliar, monitorado por tornozeleira, Queiroz respira os ares da liberdade desde março — e logo pôs em ação seu poder de influência. Não deu abril e uma de suas filhas, Evelyn Melo de Queiroz, chegou a ser nomeada para um cargo na secretaria estadual da Casa Civil do Rio. A decisão seria revogada quando Queiroz foi flagrado no estacionamento do Palácio Guanabara. O nome de Evelyn, relatam três integrantes da cúpula de Cláudio Castro, pousou na mesa do governador pelas mãos do advogado Alan Belaciano, próximo a Flávio Bolsonaro. Conhecido no mundo do futebol, Belaciano estaria costurando indicações em prol do clã no Guanabara. “Ele tem voz para defender os aliados da família”, informa um membro do primeiro escalão da gestão Castro. Procurado por VEJA, Belaciano diz ser amigo de Flávio e já ter se encontrado com Queiroz. Confirma que esteve na sede do governo do Rio, mas para tratar “de assuntos esportivos”. “Nunca indiquei ninguém. Não atuo nem quero atuar na política.”
O futuro de Queiroz, assim como o de Flávio e o de uma dezena de nomes envolvidos no suposto esquema da rachadinha, movido a distribuição de salários a funcionários fantasmas na Assembleia Legislativa do Rio, depende agora do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. O magistrado deve apresentar nas próximas semanas seu voto no processo que baterá o martelo sobre qual instância julgará o caso, um ponto crucial para seu desenrolar. Enquanto a Justiça não se pronuncia, o ex-assessor leva uma vida boa, que ostenta nas redes sociais. A rotina inclui passeios a cavalo em que desfila sem camisa, corridinhas na orla, saídas para restaurantes e viagens a Minas Gerais com a mulher, Márcia Aguiar, também em liberdade. Sim, Queiroz acompanha a CPI que mira o presidente no Senado. Um dia depois de Flávio ter xingado o relator Renan Calheiros (MDB-AL), fez coro com ele no Facebook: “RC mil vezes vagabundo!”. Recentemente, tomou a vacina contra o novo coronavírus, mas enfatizou seu ponto de vista, deslizando em todos os idiomas: “Vacina sim, look Down já mais”. Outro momento postado com triunfo foi quando ele exibiu uma foto com sorriso largo e a frase “Exame psicológico talkey!!!” – uma referência à aprovação por uma junta médica da PM para voltar a andar por aí armado. Queiroz hoje vive como se o escândalo da rachadinha fosse coisa do passado.
Publicado em VEJA de 02 de junho de 2021, edição nº 2740