O ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD) concluiu na semana passada um importante movimento no xadrez da eleição em Minas Gerais. Em segundo lugar na corrida ao governo, ele fez o que já se previa desde o início da campanha: selou uma aliança com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lhe confere um bom impulso eleitoral — salta de 30% para 43% ao ser identificado com o petista, segundo pesquisa Genial/Quaest feita entre 7 e 10 de maio. Com isso, toma a liderança do governador Romeu Zema (Novo). Já o senador Carlos Viana, do PL de Jair Bolsonaro, encosta em Zema ao ser ligado ao presidente (veja o quadro). Em São Paulo, o efeito padrinho político se repete. O ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), estreante nas urnas, avança de 10% para 28% quando é mencionado que ele é o nome de Bolsonaro — a lembrança da ligação o catapulta ao segundo lugar, abaixo de Fernando Haddad (PT), com 39%, e complica a vida do governador Rodrigo Garcia (PSDB), dono ainda de índices modestos nas sondagens eleitorais. Garcia assumiu o cargo após a renúncia de João Doria, que anunciou na última segunda, 23, a desistência de sua candidatura presidencial.
Os casos de São Paulo e Minas Gerais, os dois maiores colégios eleitorais do país, ilustram bem como a disputa presidencial deve projetar nos estados um nível de influência inédito. Há várias explicações para isso. Uma delas é que é a primeira vez no período democrático que a corrida ao Planalto opõe um presidente no cargo a um ex-presidente. Além disso, os dois são bons cabos eleitorais e controlam um amplo contingente de simpatizantes mobilizados e fiéis. Ajuda a completar o cenário a debilidade demonstrada até aqui dos presidenciáveis de centro. “Neste ano observamos um fenômeno de mais politização, com um eleitor mais interessado e engajado”, diz o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest. “Isso faz com que o voto nacional comece a nortear o voto nos estados.”
Diante desse quadro, naturalmente, as tropas dos favoritos estendem as velas dos barcos de suas campanhas para aproveitar o vento a favor. Com Lula na dianteira das pesquisas e mostrando-se excelente cabo eleitoral, interessa aos candidatos do partido e aliados levar o ex-presidente para os palanques regionais. “Temos as intenções de voto, mas precisamos transformar intenção em voto”, diz o ex-governador do Piauí Wellington Dias, um dos coordenadores da campanha lulista. Os maiores colégios eleitorais devem ganhar atenção especial do petista, segundo aliados, que relatam intensas requisições de candidatos a governador pela presença do ex-presidente. “A estratégia inclui a presença de Lula e uma boa comunicação para vincular pedagogicamente a ideia de que, para ser reconstruído, o Brasil precisa de governadores aliados de Lula e força no Congresso”, afirma o deputado José Guimarães (PT-CE), também envolvido na coordenação da campanha.
O cenário assombra alguns dos favoritos nas eleições estaduais. Sem apoio de Lula ou Bolsonaro, eles andam no fio da navalha para evitar que o plano nacional contamine de forma exagerada as disputas locais. O ex-prefeito ACM Neto (União Brasil), por exemplo, tenta descolar sua candidatura da disputa federal porque teme a popularidade de Lula: 53% dos baianos querem um governador ligado ao ex-presidente, segundo a Quaest. ACM Neto lidera com folga (67%), mas perde 20 pontos quando seu nome é citado como “independente”, enquanto o petista Jerônimo Rodrigues avança de 6% para 34% ao ser ligado a Lula. Como antídoto, Neto conduz uma estratégia de “falar de Bahia” e evitar embates com o ex-presidente. Enquanto Luciano Bivar, presidenciável de seu partido, equipara Lula a Bolsonaro como “inimigos das liberdades”, Neto montou um palanque amplo que inclui aliados do PT, como o Solidariedade e até o vice-governador da gestão petista, João Leão, que comanda o PP local e rompeu recentemente com o PT, embora se diga eleitor de Lula.
A tentativa de manter a isenção em relação à disputa nacional também deve nortear as campanhas dos candidatos de centro-direita em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Nos dois estados, os adversários de Alexandre Kalil e Marcelo Freixo (PSB), apoiados por Lula, têm ou já tiveram aliança com Bolsonaro, mas nem por isso se mostrarão antipetistas. Eleito na onda bolsonarista de 2018, Zema teve uma relação ioiô com o presidente durante o mandato e leva em banho-maria a possibilidade de uma aliança formal com o presidente. Antes de Kalil fechar com Lula, aliados de Zema fizeram chegar a interlocutores do petista a informação de que o governador não pretende basear a sua campanha em ataques a ele e ao PT. Diante da estratégia do governador, Kalil é quem tem tentado colar a imagem de Zema à de Bolsonaro. “Amigo não se larga pelo caminho”, provocou. No Rio, embora apoie Bolsonaro e integre seu partido, o governador Cláudio Castro (PL) já disse que não pretende fazer campanha “criticando” Lula.
A possibilidade de uma contaminação exagerada nos estados a partir da campanha nacional gera dilemas até em gente próxima a Bolsonaro, como o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, líder do Centrão e um dos fiadores da candidatura presidencial. No Piauí, seu reduto, no entanto, ele não pretende nacionalizar a discussão para não prejudicar o seu candidato ao governo, Silvio Mendes (União Brasil). Governado pelo PT há quatro mandatos, o Piauí tem como favorito o petista Rafael Fonteles, que nunca disputou uma eleição, mas lidera com folga quando o seu nome é ligado ao de Lula. Em São Paulo, Rodrigo Garcia critica a radicalização de esquerda contra a direita, comandada pelos tucanos há quase três décadas, e não perde oportunidade de repetir que ideologia não resolve os problemas dos eleitores. Um de seus principais trunfos contra os candidatos de Lula e de Bolsonaro no estado são os ótimos indicadores da atual gestão do Palácio dos Bandeirantes, incluindo na economia, maior preocupação atual do eleitorado, e um caixa com quase 50 bilhões de reais para a execução de obras ao longo deste ano.
Embora esteja chegando a um nível inédito, a nacionalização das disputas estaduais não é um fato novo e adquiriu algumas nuances ao longo da história. Nos pleitos de 2002, 2006 e 2010, quando PT e PSDB polarizavam a corrida nacional, a “verticalização” foi muito mais tênue, a ponto de a decisiva Minas Gerais ver a formação dos votos “Lulécio” (Lula para presidente e o tucano Aécio Neves para governador) e “Dilmasia” (a petista Dilma Rousseff para presidente e o tucano Antonio Anastasia para governador). Já em 2018, a influência nacional se deu de outra forma. Enquanto o PT consolidou o seu bolsão no Nordeste, o bolsonarismo se espraiou pelo país a ponto de fazer o nanico PSL eleger três estreantes como governadores (Rondônia, Roraima e Santa Catarina) e de influenciar as vitórias em São Paulo (Doria), Minas Gerais (Zema) e Rio (Wilson Witzel), os três maiores colégios eleitorais. Em 2022, a nacionalização tende a se tornar mais aguda diante da manutenção do atual quadro da corrida ao Palácio do Planalto. O grande risco a ser evitado é que as importantes discussões sobre questões locais fiquem em segundo plano em meio à gritaria de torcidas radicais envolvidas numa polarização entre Lula e Bolsonaro.
Publicado em VEJA de 1 de junho de 2022, edição nº 2791