Desde que chegou ao Planalto, Jair Bolsonaro mantém uma relação distante das universidades federais, às quais se refere como centros de disseminação do pensamento da esquerda que ele tanto abomina. “Ali, o estudante faz de tudo, menos estudar”, já disparou. Seus ministros da Educação espelharam a filosofia do chefe. Em um raivoso pronunciamento, o ex-comandante da pasta Abraham Weintraub chegou a afirmar que o câmpus é lugar de “plantações extensivas de maconha” e “balbúrdia”. Coube a seu sucessor e atual dono da cadeira, o pastor evangélico Milton Ribeiro, a missão de passar a tesoura no orçamento, o que se tornou a maior ceifada no caixa dessas instituições federais promovida por um governo: 1,27 bilhão de reais foram subtraídos em 2021, uma redução de 22,5% em relação ao ano anterior. O resultado é o agravamento de um sucateamento que se desenrola há décadas. “Muitas unidades correm o risco de fechar o ano no vermelho, lutando pela sobrevivência”, avalia Edward Madureira, presidente da Andifes, a associação que congrega as federais.Em véspera de ano eleitoral e ciente de que essa delicada bolha pode explodir a qualquer instante, o Planalto tem se mexido como pode para suavizar os estragos. Reitores em busca de verbas para honrar contas básicas — manutenção, segurança, limpeza, funcionamento de laboratórios — são recebidos a toda hora em Brasília. Para engrossar o caldeirão de insatisfações, uma parcela dos 4,38 bilhões de reais destinados às instituições federais está congelada, à espera de um aumento de arrecadação da União, que agora não parece provável. Uma das estratégias para frear os irados ânimos acadêmicos vem sendo justamente soltar esse dinheiro a conta-gotas quando a queixa reverbera sob os holofotes nacionais. Ocorreu em 12 de maio com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a maior do país, que lançou em um artigo a informação de que estava à míngua e sob risco de não abrir no segundo semestre. Um dia depois, o MEC enviou 152 milhões de reais à universidade, que renovou o fôlego até outubro. A política do morde e assopra, porém, não equaciona a questão central. “O que precisamos mesmo é recompor o orçamento pelo menos para os níveis do ano passado”, enfatiza Marcus David, reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora.Um trunfo do governo em meio à tormenta é poder contar com dirigentes alinhados ideologicamente com o Planalto, que tendem a ser mais complacentes com a tesoura palaciana. Por ora, são dezenove os reitores escolhidos para o cargo sob a lógica implantada por Bolsonaro: o presidente abandonou a tradição de nomear os mais votados nas listas tríplices para dar preferência a quadros prontos para “combater a doutrinação da esquerda”, em suas palavras. Chamados de reitores verde-amarelos — ou de interventores, pelos adversários —, o grupo tem trânsito livre no MEC. Em 10 de junho, enquanto a Andifes promovia uma reunião para discutir a situação financeira das federais, eles eram recebidos pelo ministro da Educação em audiência privada na Esplanada. Trataram da “conjuntura nacional” e saíram de lá com o compromisso de reforço no caixa. Confiante de que o dinheiro prometido no encontro está a caminho, o reitor da Federal do Rio Grande do Sul, por exemplo, já empenhou quase toda a verba oficial prevista para 2021.Alguns desses gestores amornam publicamente a crise. “Faço uma boa administração. Por isso, pago todos os fornecedores e firmei novos contratos”, orgulha-se Ludimilla Oliveira, à frente da Universidade Federal Rural do Semi-Árido, no Rio Grande do Norte, destoando dos colegas de fora da patota verde-amarela.Paira sobre os reitores que têm menos elo com o Planalto o temor de que um projeto de lei no qual o governo trabalha hoje, com o objetivo de liberar verbas extras para as universidades, acabe por beneficiar as mais chegadas ao MEC, entre elas as federais da Paraíba e do Ceará. “Isso não faz sentido. As universidades não podem ficar nessa disputa política”, diz Cândido Albuquerque, que comanda a Federal do Ceará e é considerado por seus pares como autêntico verde-amarelo. Não fosse o ensino remoto, motivado pela pandemia, o quadro seria ainda mais preocupante: sem alunos no câmpus, os custos fixos deram uma momentânea reduzida. Ainda assim, a encolhida no orçamento se faz sentir de forma importante, prejudicando programas como o Assistência Estudantil, responsável por ajudar os alunos mais pobres a pagar por moradia, alimentação e a seguir com os estudos, e estreitando a margem para investimentos em avanços, tão necessários a qualquer polo de conhecimento. Algumas instituições fazem contas para saber se conseguirão abrir as portas no segundo semestre e a pesquisa se ressente da falta insumos essenciais. É verdade que a crise impôs cortes a todos, mas é justamente nos celeiros de cérebros e inovação que se encontra a chave para sair dela.Publicado em VEJA de 21 de julho de 2021, edição nº 2747