Imposto sobre grandes fortunas parece justo, mas já se mostrou ineficiente em outros países
De volta ao debate, tema alimenta a retórica eleitoreira de alguns políticos, mas é complexo e impõe discussões menos rasteiras
O Brasil tem 16 000 contribuintes com renda média até 856 vezes maior que a de 80% da população. Essa extrema desigualdade sempre alimenta debates sobre a melhor maneira de diminuir o fosso entre a pequena parcela de ricos e a imensa população de pobres, particularmente em época de eleição. Na crista da discussão, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar uma ação do PSOL que trata de um tema que costuma ser apresentado como remédio para o problema: a aplicação do imposto sobre grandes fortunas (IGF). O tributo está previsto na Constituição desde 1988, nunca foi regulamentado pelo Congresso e sempre renasce como promessa de campanha. Tirar de quem tem mais para beneficiar quem tem menos, afinal, parece uma questão lógica. O PSOL argumenta que os deputados e senadores há mais de trinta anos se omitem sobre o tema.
Esse imposto é uma bandeira histórica dos partidos de esquerda. Em 1989, o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva prometeu durante a sua primeira campanha presidencial que, se eleito, taxaria as grandes fortunas. Se o Estado amealhasse um pedaço das heranças e dos ganhos de investidores, segundo ele, não faltariam recursos para “resolver” os principais problemas do país. O discurso é fácil e sedutor, a fórmula parece simples, mas a dificuldade em regular esse tipo de tributo já começa na definição do que seria propriamente uma grande fortuna. O ex-governador do Maranhão Flávio Dino, então filiado ao PC do B, achava que 4 milhões eram um patamar justo. Para o PT, seriam atingidos pelo IGF os detentores de um patrimônio acima de 2 milhões de reais. Para o PSOL, o fisco miraria quem tem bens acima de 10 milhões de reais.
O debate voltou à pauta política com o avanço recente do projeto que isentou de imposto de renda quem ganha até 5 000 reais. Plataforma eleitoral do presidente Lula, a proposta vem acompanhada de uma nova tentativa de taxar os mais ricos — quem tiver renda acima de 600 000 reais por ano passaria a pagar um imposto gradual de até 10%.
A ideia de impor um imposto sobre fortunas, como defende o PSOL, é controversa. Alemanha, Dinamarca, Itália e Suécia, por exemplo, extinguiram tributos dessa natureza depois de concluírem que muitos milionários, para fugir do fisco, simplesmente direcionaram seus investimentos e ativos para nações menos hostis. Atualmente, apenas Suíça, Espanha e Colômbia miram as grandes fortunas. “Esse imposto induz o contribuinte, por práticas legais ou ilegais, a buscar brechas e redirecionar sua riqueza para outros lugares”, afirma Lorreine Messias, pesquisadora do Núcleo de Tributação do Insper.
Estima-se que houve uma queda de 25% da base tributável para cada ponto percentual de alíquota nos países que taxaram as altas rendas. Isso significa que quanto mais se aumenta o imposto, menos patrimônio o Erário encontra para ser cobrado. O apelo eleitoreiro, porém, é forte — e não só no Brasil. No início do mês, o premiê da França, Sébastien Lecornu, defendeu uma oneração maior para os detentores de patrimônio acima de 100 milhões de euros, o equivalente a 630 milhões de reais. A iniciativa encontra muita simpatia junto a uma parcela do eleitorado do país, mas já foi testada no passado e também não deu certo.
Em sua última campanha, Lula se mostrou reticente à proposta de taxação dos milionários. Às vésperas de disputar o quarto mandato, no entanto, nada indica que ele ou o PT mudaram efetivamente de ideia. O tema voltou à propaganda oficial, que tem mostrado o suposto esforço do governo em promover “justiça tributária”. Caberá agora ao STF decidir sobre a obrigatoriedade e a urgência de o Congresso criar alíquotas que incidirão sobre as grandes fortunas. Um magistrado que conhece bem o processo ressalta que a tendência da Corte é reafirmar que essa decisão cabe exclusivamente à classe política e mostrar que existem mecanismos de tributação de patrimônio mais eficientes que o IGF. “Essa questão é muito importante, merece atenção dos deputados e senadores, mas não é a varinha mágica de um imposto que vai acabar com a desigualdade histórica do país”, resume esse mesmo juiz.
A questão, obviamente, não é consensual. Em 2015, Flávio Dino também reclamou à Justiça sobre a omissão dos parlamentares, argumentando que a falta de regulamentação do imposto estaria provocando uma perda de receita que comprometeria a tentativa de “erradicar a pobreza”, inclusive em seu estado, detentor de um dos piores índices de desenvolvimento humano do país. O processo foi arquivado. Hoje ministro do Supremo, ele voltará a enfrentar o assunto agora como julgador.
Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2025, edição nº 2968
‘Lula foi surpreendido e, com o caos já instalado, deu um presente para a direita’







