A escolha de Juscelino Filho como ministro das Comunicações do governo Lula foi uma daquelas surpresas difíceis de explicar com argumentos eminentemente técnicos. Típico representante do baixo clero da Câmara dos Deputados e sem conhecimento específico do setor, o parlamentar foi alçado de última hora ao primeiro escalão do Executivo em uma costura para que o partido dele, o União Brasil, integrasse o consórcio de legendas que, em troca de cargos relevantes, prometia alguma sustentação política à frágil base governista no Congresso. O ministro mal havia sentado na cadeira quando foi atropelado por uma sequência de acusações de desvio de dinheiro público para fins privados, malfeitos que teriam acontecido durante seu mandato. Por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), ele enfrentou o constrangimento de ter as contas bloqueadas para garantir o ressarcimento de parte dos recursos que ele teria desviado dos cofres públicos.
Na quarta-feira 12, o constrangimento chegou perto do ápice. Juscelino Filho foi indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, fraude em licitação, falsidade ideológica e organização criminosa. É o primeiro alto integrante do governo Lula 3 a passar por essa situação. O caso que recolocou o auxiliar do presidente de volta ao noticiário político policial envolve repasses de dinheiro da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) para o município de Vitorino Freire, no Maranhão, onde o ministro se criou e hoje tem a irmã dele, Luanna Rezende, como prefeita. Eles são apontados pela PF como artífices e beneficiários de um esquema supostamente ilegal que envolve dinheiro de emendas parlamentares, obras de interesse privado e uma construtora amiga.
Segundo a Polícia Federal, Juscelino destinou verbas de suas emendas do Orçamento para a pavimentação de ruas e estradas em Vitorino Freire. Até aí, nada de anormal. O problema começa quando se descobre que havia uma combinação para que a empresa Construservice executasse a obra. Os investigadores colheram evidências de que o então deputado participava diretamente da trama. Mensagens encontradas em poder da polícia mostram o ministro e um empresário que seria o sócio oculto da tal empresa discutindo detalhes do processo. Numa apuração paralela, a Controladoria-Geral da União (CGU) alertou que uma das estradas que receberam asfalto passava na porta de uma das fazendas do ministro. A PF ainda reuniu indícios de que uma das empresas beneficiárias dos repasses pertenceria ao próprio Juscelino. Em dezessete meses de governo, o ministro foi torpedeado por denúncias que vão do uso irregular de jatos da FAB ao recebimento de diárias em viagens pessoais.
Aparentemente inabalável no cargo, o ministro voltou a repetir que não cometeu nenhuma ilegalidade e que as acusações contra ele partem de desafetos dentro do próprio governo. Nos bastidores, aliados de Juscelino sempre apontaram o dedo para o então ministro da Justiça Flávio Dino, adversário dele em disputas políticas no Maranhão e até poucos meses atrás superior hierárquico da PF. Indiciado, Juscelino acusou a Polícia Federal de ter agido politicamente para prejudicá-lo, sugerindo que está sendo vítima de algo parecido com o que, em sua visão, teria acontecido com alguns políticos e com o próprio presidente Lula. A ofensiva, disse ele, “suscita dúvidas sobre sua isenção, repetindo um modo operante que já vimos na Operação Lava-Jato e que causou danos irreparáveis a pessoas inocentes”.
Ironia do destino, o inquérito que investiga o ministro tramita sob a responsabilidade do agora juiz Flávio Dino, que assumiu uma cadeira no STF em fevereiro. No dia do indiciamento, nenhuma figura de renome no governo saiu em defesa do ministro. O presidente Lula, que cumpria agenda no Rio, avisou que não iria se pronunciar. Quando chegou à Suíça, saiu pela tangente com um “Temos de dar a chance dele provar sua inocência”. Reservadamente, o PT, a quem havia sido prometido o comando do Ministério das Comunicações e que desde a primeira denúncia pede abertamente a demissão de Juscelino, desta vez manteve um estranho silêncio.
Publicado em VEJA de 14 de junho de 2024, edição nº 2897