Em pouco mais de três anos de Operação Lava Jato, o juiz Sergio Moro, responsável pelos processos da investigação em primeira instância em Curitiba, concluiu 31 processos. Saíram de sua caneta condenações de 99 réus, entre os quais figuras outrora poderosas, como os ex-ministros petistas José Dirceu e Antonio Palocci e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB), além de empreiteiros do bilionário cartel que fraudava contratos na Petrobras, ex-diretores corruptos da estatal e operadores de pagamentos ilícitos. Toda decisão que o “juiz da Lava Jato” toma em primeira instância, contudo, é depois revisada, em segunda instância, pelos desembargadores do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4) João Pedro Gebran Neto, relator da operação, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus, membros da 8ª Turma da Corte sediada em Porto Alegre.
VEJA analisou as 47 condenações ou absolvições por Moro já examinadas no tribunal até julho deste ano e concluiu que Gebran, Paulsen e Laus reverteram as decisões do juiz federal em apenas 19% das sentenças: cinco réus condenados em primeira instância foram inocentados por falta de provas, e, do contrário, quatro sentenças de Moro que absolveram acusados se tornaram condenações na alçada superior.
Por outro lado, o trio referendou, em 72% dos casos (34 sentenças), as condenações determinadas pelo juiz. Em outros 9% (4 sentenças), o TRF4 manteve as absolvições definidas na 13ª Vara Federal de Curitiba.
Os desembargadores concordam, na maioria das vezes, com as decisões de Moro em culpar ou inocentar um réu. Em 10 ocasiões, preservaram exatamente as mesmas penas estipuladas por ele. Em 70% das condenações mantidas, no entanto, Gebran, Poulsen e Laus fizeram ajustes: oito penas impostas pelo magistrado foram abrandadas e 16, agravadas.
A reputação de “linha dura” da 8ª Turma do TRF4 se traduz na soma de 487 anos de prisão na Lava Jato determinados pelos desembargadores, ante os 398 anos decretados pelo juiz federal nos mesmos processos.
Apesar das mãos mais pesadas, Gebran, Poulsen e Laus são mais lentos que Moro para concluir processos. O magistrado leva, em média, 8 meses e 24 dias, contados a partir da aceitação da denúncia, para assinar as sentenças; depois da remessa dos autos da Justiça Federal do Paraná ao TRF4, o tribunal demora, em média, um ano, um mês e 15 dias para decidir as apelações contra condenações por Moro.
Os motivos para esticar e encolher penas
Para aumentar as penas determinadas por Moro, os desembargadores se valem, sobretudo, de duas interpretações judiciais: a chamada “culpabilidade negativa”, que conclui por uma participação intensa do réu no crime apesar de ele reunir condições sociais e intelectuais de reconhecer as ilegalidades e resistir, e o “concurso material” de crimes, que considera delitos semelhantes separadamente e soma as penas de cada um.
Utilizadas para anabolizar as penas de 14 réus na segunda instância, incluindo o empreiteiro Gerson Almada (de 19 anos para 34 anos e 20 dias) e o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró (de 12 anos, 3 meses e 10 dias para 27 anos e 4 meses), essas concepções fizeram de Renato Duque um campeão na modalidade.
Condenado a 20 anos e 8 meses de prisão por Moro, ele terminou o julgamento no TRF4, há duas semanas, com 43 anos e 9 meses de prisão a cumprir pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa. O problema para Duque foi que, ao contrário de Moro, os desembargadores desmembraram os crimes de corrupção de que ele era acusado. Só por essas infrações, o ex-diretor da Petrobras foi sentenciado a 32 anos de prisão no tribunal.
Entre os casos de encolhimento na segunda instância das sanções aplicadas por Sergio Moro, as principais causas são absolvições parciais, ou seja, o réu continua culpado por alguns crimes, mas é inocentado de outros. O executivo da OAS José Ricardo Breghirolli foi condenado a 11 anos de prisão por Moro pelos crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ele viu sua pena minguar a 4 anos e 1 mês de cadeia em regime semiaberto porque, por unanimidade, os desembargadores consideraram prejudicada a denúncia por lavagem e o absolveram.
Além de Breghirolli, beneficiaram-se de absolvições parciais e tiveram penas reduzidas a doleira Nelma Kodama (de 18 anos para 15 anos), seu ex-motorista Cleverson Coelho (de 5 anos e 10 dias para 3 anos e 6 meses), o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa (de 7 anos e 6 meses para 6 anos) e o ex-deputado federal Luiz Argolo (de 11 anos e 11 meses para 12 anos e 8 meses).
As decisões de Moro revertidas
Nos cinco casos em que o TRF4 absolveu réus sentenciados por Moro, a explicação foi a mesma: falta de provas. Ao inocentarem o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, condenado por Moro a 15 anos e 4 meses de prisão, Leandro Paulsen e Victor Laus consideraram que, apesar de seis delatores premiados o terem incriminado, os depoimentos não traziam provas. O relator, João Pedro Gebran, deu razão ao juiz, para quem havia “um todo coerente”, mas foi voto vencido. Argumento similar livrou Mateus Sá Coutinho e Fernando Stremel Andrade, ambos ex-executivos da empreiteira OAS.
Se o TRF4 mantiver a lógica das decisões, Antonio Palocci pode apostar suas fichas em uma absolvição aos moldes das de Vaccari, Coutinho e Andrade. No final de junho, ele foi condenado na primeira instância a 12 anos, dois meses e 20 dias de prisão com base, sobretudo, em depoimentos de delatores.
Os outros absolvidos no TRF4 foram André Catão de Miranda, ex-gerente do Posto da Torre, berço da Lava Jato em Brasília, e Maria Dirce Panasso, mãe de Nelma Kodama. Miranda foi inocentado por Poulsen e Laus, que rejeitaram como provas mensagens telefônicas consideradas por Moro para condená-lo por lavagem de dinheiro. Sobre Maria Dirce, o juiz concluiu que ela cedeu seu nome conscientemente à abertura de empresas utilizadas por Nelma para lavar dinheiro. A 8ª Turma do TRF4 entendeu, por unanimidade, que era “plausível” que ela ignorasse as fraudes.
Do contrário, Adarico Negromonte, absolvido por Moro por falta de provas, acabou condenado no TRF4 a 3 anos e 6 meses no regime semiaberto pelo crime de pertinência a organização criminosa. O magistrado também deixou de condenar Waldomiro de Oliveira, funcionário de Alberto Youssef, em três processos diferentes por lavagem de dinheiro. Oliveira foi considerado culpado na segunda instância em todos, com um total de 20 anos e 3 meses em penas de prisão.
Os juízes que podem barrar Lula
As decisões dos desembargadores do TRF4 na Lava Jato ganham ainda mais peso a partir de duas premissas: a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permite o cumprimento de pena a partir da segunda instância, e a Lei da Ficha Limpa, que impede candidaturas em eleições de condenados nesta jurisdição.
É nestas circunstâncias que João Pedro Gebran, Leandro Paulsen e Victor Laus devem ser levados ao centro do debate político-eleitoral em 2018. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder das pesquisas eleitorais à Presidência da República, é réu em duas ações penais na Justiça Federal do Paraná e foi condenado em uma delas por Moro a 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso envolvendo o tríplex do Guarujá.
Não se sabe quando o juiz federal enviará os autos da ação ao TRF4, mas, considerando a média de um ano, um mês e 15 dias de decisão dos desembargadores a partir da remessa, é possível que o julgamento na segunda instância se dê às vésperas ou em meio à campanha eleitoral de 2018.
O especialista em direito eleitoral Alberto Rollo diz que, “a partir do momento em que houver a condenação [na segunda instância], Lula estará inelegível”. Rollo pondera, contudo, que a possível condenação no TRF4 não afastará o ex-presidente imediatamente da disputa se o registro de sua candidatura já tiver sido permitido em definitivo pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Neste cenário, apenas um processo de “inelegibilidade superveniente”, que costuma ser alongado, poderia afetar a candidatura de Lula. Caso o petista seja condenado antes da aprovação do registro no TSE, sua defesa ainda poderia entrar com embargos de declaração, um tipo de recurso, para estender o julgamento.