Uma pesquisa na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral mostra os casos concretos em que o ministro e relator Herman Benjamin vai balizar o seu parecer no processo que pede a cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, reeleita em 2014. Entre esses casos, estão os processos em que o TSE cassou os mandatos de governadores, com seus respectivos vices, por prática de ilícitos eleitorais: Francisco de Assis de Moraes Souza (PMDB), o Mão Santa, do Piauí, eleito em 1998; Cássio Cunha Lima (PSDB), da Paraíba; Marcelo Miranda (PMDB), do Tocantins, e Jackson Lago (PDT), do Maranhão, estes eleitos em 2006.
Em todos os casos se aplicou automaticamente a perda de diplomas aos governadores e, pelo princípio da indivisibilidade, aos vice-governadores. Os relatores respectivos desses processos foram à época os ministros do TSE Nelson Jobim (no caso de Mão Santa), Eros Grau (Cunha Lima e Lago) e Felix Fisher (Marcelo Miranda). Nenhum dos acórdãos suscita dúvida sobre a inclusão dos vices na cassação dos titulares.
Consta do levantamento um caso que não resultou em cassação, mas que está sendo considerado relevante. É o que envolveu o governador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira, eleito em 2006, relatado pelo ministro Felix Fisher. Silveira foi absolvido da acusação de abuso do poder econômico. Mas a discussão, na fase preliminar do caso, a de instrução, apontou para a necessidade de o vice compor o polo passivo em ações nas quais se pretenda cassar o seu mandato e o do titular. Essa posição mudou a jurisprudência do TSE sobre o tema, desde então pacífica.
O tribunal concluiu, ali, que “em razão da unicidade monolítica da chapa majoritária, a responsabilidade dos atos do titular repercute na situação jurídica do vice, ainda que este nada tenha feito de ilegal, comportando-se exemplarmente”.
A jurisprudência de casos envolvendo prefeitos também reforça os argumentos pela indivisibilidade da chapa eleita. Um dos casos, relatado pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho, é o do prefeito de Itaboraí, no Rio de Janeiro, Helil Cardozo, eleito em 2012 pelo PMDB e acusado de uso indevido de meios de comunicação social. A cassação foi revogada no TSE, por 4 a 3. Durante a discussão do caso, o ministro Herman Benjamin defendeu a indivisibilidade da chapa para fins de cassação.
Outro dos casos da jurisprudência que integra a pesquisa sobre princípio da indivisibilidade é o Recurso Especial 695-41, de Goiás, relatado pelo ministro Gilmar Mendes, hoje presidente do TSE. Gilmar escreveu: “Cassação de diploma de vice-prefeito. O mero benefício é suficiente para cassar o registro ou o diploma do candidato beneficiário do abuso de poder”. Também está incluído, na pesquisa, caso semelhante relatado pelo ministro Henrique Neves (Recurso Especial 1089-74/MG).
O levantamento ainda enumera, como apoio à tese da indivisibilidade, processos relatados em períodos diversos pelos ministros Luciana Lóssio, Nancy Andrighi, Dias Toffoli, Laurita Vaz, Cármen Lúcia, Arnaldo Versiani, Marco Aurélio, Ayres Britto, Cesar Asfor Rocha e Ellen Gracie.
Inelegibilidade
O levantamento mostra, ainda, que a jurisprudência do TSE é igualmente pacífica quanto à decretação de inelegibilidade. Nesse caso, há necessidade de provar que o acusado tinha conhecimento direto dos delitos cometidos. “A inelegibilidade constitui sanção de natureza personalíssima e aplica-se apenas a quem cometeu, participou ou anuiu com o ilícito, e não ao mero beneficiário”, diz a pesquisa. Entre os precedentes estão decisões dos relatores Gilmar Mendes e Henrique Neves. Para fins de inelegibilidade individual, diz trecho de um dos acórdãos citados, “deve ser feita distinção entre o autor da conduta abusiva e o mero beneficiário dela. Caso o candidato seja apenas beneficiário da conduta, sem participação direta ou indireta nos fatos, cabe eventualmente somente a cassação do registro ou do diploma, já que ele não contribuiu com o ato”.
Se a jurisprudência indica que não há mais dúvida de que o parecer do ministro-relator vai pedir a cassação dos dois eleitos – Dilma Rousseff e Michel Temer –, ainda há sobre o quesito inelegibilidade. Os autos precisam provar se os dois, ou um dos dois, tinham conhecimento pessoal de fatos que caracterizam abuso de poder econômico. Se não é fácil chegar a uma conclusão com os depoimentos e perícias que estão disponíveis no site do TSE, resta aguardar a divulgação integral dos depoimentos ainda sob sigilo dos delatores da Odebrecht.
(Com Estadão Conteúdo)