Novas mensagens privadas trocadas entre procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato no Telegram mostram que eles se entusiasmaram com a possibilidade do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes sofrer um impeachment. A empolgação se deu em função do resultado do primeiro turno da eleição no Senado, a Casa Legislativa a quem compete processar e julgar um ministro do Supremo segundo a Constituição. As mensagens foram obtidas pelo site The Intercept Brasil e divulgadas nesta quinta-feira pelo portal Uol e o jornal Folha de S. Paulo.
“Dá pra sonhar com o impeachment do gm (Gilmar Mendes)?”, perguntou o procurador Diogo Castor no dia 7 de outubro de 2018. “Sonhar sempre pode, Diogo. Mas não tem chance de se concretizar”, respondeu a procuradora Laura Tessler, mais pessimista.
No dia seguinte, o procurador Roberto Galvão voltou ao tema. “Olha aí. Agora sim, pela primeira é possível sim de se pensar em costurar um impeachment de Gilmar. Mas algo pensado e conversado e não na louca sem saber onde vai dar”, digitou. Diogo Castor, então, começou a fazer as contas de quantos votos se teria para conseguir afastar Gilmar. “Precisamos de 54 senadores. Se tem 11 comprometidos com as medidas contra a corrupção. Faltam 43 de 70”, disse.
A nova composição no Senado já tentou abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar condutas irregulares dos ministros da Corte, a chamada Lava Toga. O pedido foi protocolado, mas não foi adiante por pressão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e integrantes do governo Bolsonaro.
Ao Uol, o Ministério Público Federal de Curitiba afirmou que não reconhece a autenticidade das mensagens e que elas são fruto de um “crime cibernético e tem sido usado, editado ou fora de contexto, para embasar acusações e distorções que não correspondem à realidade”. A procuradoria também ressaltou que, dentre os seus deveres, está o de “adotar as providências cabíveis em face de irregularidades de que tiver conhecimento, conforme legislação”, e que “renova a sua confiança e respeito ao STF”.
Conversas de Deltan com o corregedor
Outras mensagens vazadas hoje mostram que, em julho de 2017, o então corregedor-geral do Ministério Público, Hindemburgo Chateaubriand Filho manifestou a sua reprovação com a postura do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, na divulgação de uma palestra que ele daria na Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep). Um post publicado no Facebook de Deltan trazia a seguinte promessa: “Venha conhecer pessoalmente os procuradores da Lava Jato em Curitiba e ficar por dentro do que está acontecendo na operação – em primeira mão!!”.
O corregedor não gostou do que leu e telefonou para Deltan dizendo que o anúncio repercutira negativamente entre outros procuradores. Em seguida, Deltan escreveu no Telegram: “Hindemburgo, falei aqui, o pessoal vai acatar pq vem de Vc, mas ng concordou. O exemplo que comentaram aqui é: é muito pior quando vamos falar sobre a Lava Jato de graça em qualquer faculdade privada. A faculdade cobra dos alunos e lucra um monte. Nesse caso vamos ao evento da APAE e o lucro vai para uma causa pública”.
Posteriormente, o corregedor disse a Deltan que o que acontecera, na sua opinião, era “bastante grave”, e que o alertou por ter consideração a ele.
“Ao contrário de vcs [integrantes da Lava Jato], todos q se encontravam na reunião discordaram da atitude. É éramos vários. Além deles, recebi de outras pessoas tb em tom de severa crítica. Lembre-se q vcs falam na condição de interessados. O q eu lhe disse é q do jeito q estava apresentado o post, o anúncio era o da venda de informações em primeira mão sobre a lava jato. Era o mesmo q chamar uma entrevista coletiva e cobrar entrada, pouco importa a destinação do dinheiro. Isso para mim seria bastante grave, independentemente do q vcs pensam”, escreveu ele. “Só quero lhe dizer q liguei em consideração a vc é ao Januário (procurador Januário Paludo). Como Corregedor, na verdade, não me competia fazer o q fiz”, completou.
Deltan respondeu, reconhecendo que havia se excedido no post. “Oi Hindemburgo, na última mensagem, estava só prestando contas de cuidados que adotamos a partir de nossa conversa. Agradeço muitíssimo a consideração que teve em nos alertar sobre os possíveis aspectos negativos. Creio que o modo como redigi o post dava abertura para interpretações negativas mesmo, e suas observações me ajudaram a ver isso e remediar algo que poderia se tornar um problema. Na verdade, jamais tivemos a intenção de fornecer ou mesmo fornecemos informações novas ou exclusivas que não seja nos autos, em coletivas ou via SECOM/entrevistas. Em palestras, falamos sobre dados públicos e consolidados. Mais uma vez, obrigado. Abs”.
Ao corregedor do Ministério Público Federal cabe o papel de fiscalizar a conduta e o trabalho dos procuradores. Em resposta ao jornal Folha de S. Paulo, a Corregedoria Geral e o Ministério Público Federal afirmaram que não reconhecem as mensagens citadas acima, ressaltando que tem origem ilícita.
A corregedoria também disse que “não é um órgão julgador e, portanto, não está sujeito a restrições típicas desta atividade como o distanciamento da parte. O trabalho possui caráter essencialmente preventivo e não há nenhum óbice para que o corregedor-geral mantenha contatos, oriente, peça ou receba informações antecipadas de procuradores”.