Livro reconstitui o turbulento período de Bolsonaro no Exército
'O Cadete e o Capitão', de Luiz Maklouf Carvalho, conta a vida militar do presidente, incluindo o frustrado plano de explodir 'espoletas' no quartel
Em novembro de 1988, ao eleger-se vereador do Rio de Janeiro pelo Partido Democrata Cristão (PDC), o capitão de artilharia e paraquedista Jair Messias Bolsonaro desligou-se automaticamente do Exército e iniciou a carreira política que o levaria, no primeiro dia deste ano, à Presidência da República. Meses antes, nas pausas de seu julgamento no Superior Tribunal Militar (STM) pela suspeita de ter arquitetado com o capitão Fábio Passos da Silva um plano de atos terroristas na Vila Militar, na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e na Adutora Guandu, que abastece de água a capital fluminense, Bolsonaro encontrara o tempo necessário para pensar na guinada da carreira castrense para a vida pública. Acabou absolvido, em sessão secreta no Palácio Duque de Caxias, por 9 votos a 4. Sua condição de capitão que levantara a voz contra os comandantes por causa dos soldos magros permitia novas ambições eleitorais.
O veterano jornalista Luiz Maklouf Carvalho, de O Estado de S. Paulo, reconta a vida militar do atual presidente da República no livro O Cadete e o Capitão, a ser lançado no próximo dia 7. Não se trata de uma biografia de Bolsonaro, mas de um recorte de uma fase fundamental de sua vida. Maklouf, de posse de documentos antes guardados sob confidencialidade e do áudio das mais de cinco horas do julgamento no STM que absolveu Bolsonaro, faz uma detalhada reconstituição histórica de anos cruciais para entender como um capitão do Exército chegou a comandante supremo das Forças Armadas.
A história dissecada por Maklouf está ligada a VEJA. Em 1986, Bolsonaro publicou na revista um texto em que reclamava melhores soldos para os companheiros de farda. “O artigo tinha sete parágrafos e era um petardo, até então inédito, de um oficial da ativa contra autoridades militares e o governo Sarney”, diz Maklouf. O texto terminava com um bordão que o capitão repetiria mais tarde, como candidato do PSL: “Brasil acima de tudo” (Deus ainda não era mencionado). Custou-lhe quinze dias de prisão.
No ano seguinte, em outubro, a postura sindical de Bolsonaro extrapolou para a de rebelde disposto a explodir instalações militares e a adutora, em uma operação batizada de Beco sem Saída. No apartamento do amigo Fábio Passos, Bolsonaro detalhou o plano à repórter de VEJA Cassia Maria. O plano previa, em suas palavras, a “explosão de algumas espoletas”, que não fariam vítimas — tudo para chamar atenção para suas reivindicações salariais. Na defesa por escrito ao comandante da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao), coronel Ary Schittini Mesquita, Bolsonaro dizia desconhecer o plano. Só não negou, conforme assinala Maklouf, as ofensas que dirigira ao então ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, chamado de “incompetente” e “racista” e comparado a Pinochet. O general, no entanto, deu crédito ao capitão insubordinado. VEJA então publicou nova reportagem sobre o tema, na qual estampava os croquis rudimentares que o próprio Bolsonaro desenhara para indicar onde seriam plantadas as “espoletas”.
O Cadete e o Capitão desdobra-se, nesse ponto, em um livro de tribunal. Entre os relatos do julgamento aparece o gesto ameaçador que Bolsonaro fez à repórter de VEJA quando ela depôs perante o Conselho de Justificação: imitou um revólver com a mão. Condenado no Conselho de Justificação, em 1987, Bolsonaro foi absolvido no ano seguinte pelo STM. Maklouf levanta dúvidas sobre esse resultado, questionando se não teria havido “um combinado para livrar o capitão Bolsonaro” no julgamento final.
Apesar de eximir-se da pretensão de traçar um perfil do presidente, Luiz Maklouf Carvalho também oferece detalhes pitorescos dos dias de caserna de Bolsonaro — apelidado de “Cavalão”, por seu ímpeto nas atividades esportivas. Em paralelo à carreira militar, Bolsonaro plantou arroz e melancias em Nioaque (MS), trazia muamba do Paraguai, vendeu bolsas de náilon fabricadas com paraquedas e, nas férias de 1983, chegou a garimpar ouro em Saúde (BA). Esse último empreendimento levou o coronel Carlos Alfredo Pellegrino, então comandante de Bolsonaro, a deixar uma avaliação rigorosa do futuro presidente: “Necessita ser colocado em funções que exijam esforço e dedicação, a fim de reorientar sua carreira”.
Publicado em VEJA de 31 de julho de 2019, edição nº 2645