Lula aposta na lábia para resgatar popularidade, mas gafes alegram oposição
Marqueteiro Sidônio Palmeira aposta na superexposição do presidente, esperando que ele reedite os feitos do passado. Até agora, não deu certo

Desde os tempos de líder sindical, Lula carrega a fama de exímio comunicador, hábil negociador e encantador de plateias. Petistas sempre festejaram seus improvisos e discursos oficiais como um instrumento político poderoso, capaz de impulsionar o governo, garantir vitórias eleitorais ao PT e reverter conjunturas desfavoráveis. No terceiro mandato, no entanto, a lábia do presidente não seduz como antigamente. Pelo contrário, tem provocado mais desgaste de imagem ao misturar uma sucessão de gafes com desatinos multidisciplinares, especialmente na área da economia. Aos ouvidos de boa parte do eleitorado, o craque de outrora soa ultrapassado e distante da realidade, o que resulta no menor nível histórico de aprovação ao petista — de 24%, segundo o Datafolha — e no aumento acelerado da reprovação, que já supera a casa dos 60% nos maiores colégios eleitorais do país. Apesar dos resultados das pesquisas, a nova equipe de comunicação do governo, chefiada pelo marqueteiro Sidônio Palmeira, resolveu apostar na superexposição de Lula para recuperar a popularidade perdida, esperando que ele honre a antiga reputação e reedite os feitos do passado. Até agora, não deu certo.

Desde o início do ano, o presidente acelerou uma agenda de viagens e entrevistas pelo país. Nelas, acumula declarações desastradas que, muitas vezes, servem de munição para a oposição. Foi o que ocorreu no caso da inflação dos alimentos, um dos motivos para o crescimento da rejeição ao governo nos últimos meses. Pressionado pelo tema, o presidente, numa entrevista a uma rádio da Bahia, tentou terceirizar para a população a tarefa de combater a carestia. “Uma das coisas mais importantes para que a gente possa controlar o preço é o próprio povo. Se você vai ao supermercado aí em Salvador e você desconfia que tal produto está caro, você não compra”, disse Lula. “Se todo mundo tiver essa consciência e não comprar aquilo que acha que está caro, quem está vendendo vai ter que baixar para vender, porque, senão, vai estragar.” A reação foi imediata: as críticas à declaração ganharam as redes sociais, arena na qual a esquerda toma uma surra dos apoiadores de Jair Bolsonaro. Considerado o principal responsável pela falta de credibilidade do governo na condução da política econômica, o presidente tem disparado outros tiros no pé em assuntos que afetam o bolso do eleitor. Numa fala de improviso durante o anúncio do Programa de Renovação da Frota Naval do Sistema Petrobras, em Angra dos Reis, no mês passado, Lula tentou fazer graça com a delicada questão do preço dos combustíveis. Foi outro tiro no pé. “Eu não defendo a Petrobras porque como petróleo, não como. Porque bebo gasolina, não bebo. Eu bebo outro álcool, a gasolina não”, afirmou, numa mistura de “lulês” com “dilmês”.
Desde a posse de Sidônio Palmeira na chefia da Secretaria de Comunicação Social, em janeiro, Lula fez dezoito discursos oficiais, que duraram em torno de vinte minutos cada um, e deu entrevistas para oito rádios regionais. O plano do marqueteiro é que o presidente seja o motor da produção de conteúdo, o protagonista da propaganda oficial, até porque deve concorrer à reeleição em 2026. A ideia é usar cada oportunidade para apresentar resultados de programas e tentar mostrar eficiência na condução do país. O problema é que os improvisos, que antes abrilhantavam as falas do petista, ajudando-o a conquistar corações e mentes, agora estão produzindo muitos constrangimentos.

Em 13 de fevereiro, Lula participou de uma cerimônia de entrega de terras da União para o estado do Amapá, reduto eleitoral do novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Com as redes sociais fervilhando em razão do encarecimento do ovo de galinha, soltou outra pérola. “Eu estou comendo agora sabe o quê? O ovo de ema. O ovo de ema é deste tamanho, um ovo de ema equivale a 12 ovos de galinha”, afirmou. “Eu fui pesquisar se eu podia comer, e eu posso comer, porque eu tenho 70 emas lá no Palácio da Alvorada, 70 emas. Elas botam ovo do tamanho da cabeça de vocês.” Não bastasse a repercussão negativa no universo digital, levantou a bola para a oposição. O deputado federal Kim Kataguiri aproveitou a deixa, acionando a Procuradoria-Geral da República (PGR) para apurar suposto crime ambiental de Lula, por comer ovo de animal silvestre. Seis dias depois, o presidente voltou à carga e — em vez de prometer empenho para melhorar a infraestrutura da cidade de Belém, que sediará a conferência do clima, COP30, em novembro — novamente tentou dividir a responsabilidade pela solução do problema. “Se não tiver hotel cinco estrelas, durma em um de quatro. Se não tiver um de quatro, durma em um de três. Se não tiver um de três, durma olhando para o céu, que vai ser maravilhoso.” O presidente, obviamente, não precisará seguir tal recomendação.
De acordo com as pesquisas, o derretimento da imagem de Lula ocorreu até em pilares de sua base de apoio, como as mulheres. A inflação da comida e a criminalidade são dínamos do desgaste nesse segmento, que também anda incomodado com as declarações do mandatário. Em uma delas, transbordando etarismo, o presidente chamou de velha uma senhora de 50 anos. Com outra, tipicamente machista, deve ter causado repulsa até na primeira-dama da República, Rosângela da Silva, a Janja. “Não sou nem marido, eu sou um amante da democracia, porque, a maioria das vezes, os amantes são mais apaixonados pela amante do que pelas mulheres. E eu sou um amante da democracia porque eu conheço o valor dela”, afirmou na solenidade organizada para lembrar os dois anos da invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília.

Apesar da reputação de craque, Lula sempre cometeu gafes na carreira, mas elas eram perdoadas ou minimizadas diante dos resultados de suas gestões anteriores. Um bom repertório, como se sabe, pode ajudar um cantor mediano a conquistar a plateia. Já um péssimo repertório só tem sobrevida na voz de um virtuose. Aí está o problema do terceiro mandato de Lula, que tem poucos resultados a apresentar e sofre com a falta de rumo. “Lula hoje passa para parte dos eleitores a imagem de um político cansado e longe do entusiasmo que o movia no passado”, diz Luciana Fernandes Veiga, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e coordenadora do mestrado em comunicação digital e cultura de dados da FGV Comunicação. “É importante o conteúdo da fala, importante comunicar como o seu governo tem melhorado a vida das pessoas. A maior exposição do presidente deve ser acompanhada sempre por comunicação de entrega de resultados”, acrescenta a especialista. Quando não há muito o que mostrar, Lula corre o risco de virar personagem do velho ditado popular: quem fala demais, morre pela boca.
Publicado em VEJA de 7 de março de 2025, edição nº 2934