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Marília Arraes não desgruda de Lula e causa ruído na aliança PT-PSB

Desgarrada do clã que domina a política de Pernambuco, ela apronta nova encrenca: foi do PT para o Solidariedade e por ele brigará pelo governo

Por Caio Sartori, Ricardo Ferraz Atualizado em 4 jun 2024, 12h19 - Publicado em 3 abr 2022, 08h00

Em Pernambuco, o sobrenome Arraes funciona como um passaporte para a vida pública. Desde que Miguel, o “Véio Arraia”, se elegeu para o governo do estado, em 1986, a família domina a cena política local, unida em torno do PSB. À exceção de Marília Arraes, a neta rebelde do patriarca, que há mais de uma década trava uma batalha pública com os primos Campos. Formado por filhos e netos de Ana Arraes, filha de Miguel e tia de Marília, esse ramo lidera o clã e o partido. O primeiro embate da prima desgarrada com os parentes se deu em 2014, quando ela pediu o apoio do então governador (e primo) Eduardo Campos para se candidatar à Câmara dos Deputados. Disputando a corrida presidencial, ele negou, alegando que isso desagradaria a adversários de quem tentava se aproximar. Descontente, Marília migrou para o PT, legenda pela qual disputou e perdeu a prefeitura do Recife para o filho de Eduardo, João Campos, em 2020. Eleita deputada federal dois anos antes, ela agora apronta nova encrenca: foi do PT para o Solidariedade e por ele brigará pelo governo pernambucano. Mas não desgruda de Lula, o que pode respingar na aliança petista com o PSB.

Na festa de sua filiação ao Solidariedade, um cartaz trazia a foto de Marília ao lado do ex-presidente. Após um discurso em que ela e seu novo aliado, o sindicalista Paulinho da Força, afirmaram que Lula é maior do que o PT, a deputada posou fazendo um “L” com os dedos. A postura vem despertando a fúria dos caciques do PSB, partido com o qual o PT costura uma aliança estratégica em torno da Vice-Presidência, na figura do neossocialista Geraldo Alckmin, e da retirada do PT do páreo em estados onde o PSB tem chance, sendo Pernambuco o principal deles. Para piorar o clima, Marília conversou com Lula, quatro dias antes da filiação ao Solidariedade, em uma reunião na qual, segundo integrantes do alto-comando petista, disparou num tom chulo, curto e grosso: “O PSB quer botar no meu c…, mas meu c… não é cacimba, não é poço”. Para abafar as labaredas, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, tratou de ligar para Carlos Siqueira, presidente do PSB, e para Paulo Câmara, governador do estado, e assegurar que Lula manterá distância do palanque de Marília.

REBELDIA - O avô Arraes, Marília e João Campos (assinalados): briga no clã -
REBELDIA - O avô Arraes, Marília e João Campos (assinalados): briga no clã – (./Arquivo pessoal)

Considerada pessoa de difícil trato, junto aos colegas a deputada mostra-se engraçada e cativante, sobretudo em festas, quando costuma soltar a língua apontando desafetos e expondo sua vida pessoal, em termos muitas vezes irreproduzíveis. Ao negociar apoios, é acusada de pôr os interesses próprios à frente dos partidários. “Em primeiro, segundo e terceiro lugares, vem ela. Em quarto, o retrato dela”, alfineta um parente com quem cortou relações. A rusga com Eduardo Campos foi tão profunda que Renata, viúva do governador, mandou dizer que ela não seria bem-vinda no velório do marido, morto em um acidente de avião durante a campanha de 2014. E Marília obedeceu. Os recorrentes conflitos renderam-lhe a alcunha de “arengueira”, sinônimo de briguenta no Nordeste. “É puro machismo”, rebate ela, no segundo casamento e mãe de duas filhas. “Homens podem ser contundentes, mulheres não têm esse direito”, completa.

Apesar das diferenças regionais, a deputada tinha conseguido construir boas pontes com a direção nacional do PT. Isso começou a mudar quando ela atropelou João Daniel, candidato dos petistas, e obteve a segunda secretaria da Câmara com o apoio de deputados ligados ao bloco que elegeu Arthur Lira (PP) à presidência da casa. O caldo entornou de vez quando a direção do PT, no afã de preservar as alianças em um estado estratégico, decidiu lançá-la ao Senado. O nome de Marília chegou a ser aprovado até pelo desafeto Paulo Câmara — Gleisi convenceu o governador a deixar antigas diferenças de lado. Marília, àquela altura de malas prontas para o Solidariedade, nem compareceu à reu­nião do diretório estadual em que seu destino seria selado. “Ela nos desmoralizou. Nos obrigou a tomar uma decisão que não queríamos e depois esnobou”, diz um dirigente petista. “Sequer fui consultada”, rebate Marília. “Uma decisão dessas não cabe somente ao partido. Não procuro cargos, mas um projeto”, proclama.

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As chances de Marília se eleger governadora são incertas, mas ela larga muito bem. Em pesquisa divulgada na quinta-feira 31, a primeira com seu nome, aparece na dianteira com 28% das intenções de voto. “A imagem dela ainda é muito atrelada ao Lula e ao PT. Não se sabe se terá a mesma força sem esses apoios”, diz Adriano Oliveira, professor de ciências políticas da UFPE. A estratégia do Solidariedade é articular palanques com outros partidos da oposição para apoiá-la. Daqui até a eleição, muita encrenca Marília ainda pode aprontar.

Publicado em VEJA de 6 de abril de 2022, edição nº 2783

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