Mendonça modula discurso em peregrinação atrás de votos no Senado
Favorito para vaga no STF, ministro 'terrivelmente evangélico' de Jair Bolsonaro tem dito aos parlamentares o que eles querem ouvir
Em Zelig, um dos melhores filmes da carreira do cineasta norte-americano Woody Allen, o protagonista é uma espécie de “camaleão humano”, um sujeito peculiar com o poder de imitar as pessoas ao seu redor, se transformando à imagem e semelhança daqueles à sua volta, copiando trejeitos, sotaques, os traços físicos do interlocutor. Uma versão adaptada de Zelig baixou no Senado Federal, em peregrinação atrás de votos: é o advogado-geral da União, André Mendonça, que tem feito uma rodada de almoços, jantares e conversas a distância com parlamentares para diminuir a resistência da Casa a uma provável indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF).
VEJA conversou com dez senadores e constatou que o ministro “terrivelmente evangélico” que o presidente Jair Bolsonaro quer emplacar no STF tem falado de tudo um pouco. Mais do que isso, tem dito aos congressistas o que eles querem ouvir, modulando o discurso de acordo com o perfil de quem está participando do encontro. Mais de 40 parlamentares já foram procurados pelo chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), que tem buscado, a duras penas, pavimentar o caminho da aprovação do seu nome para a cadeira que ficará vaga em julho, após a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello.
No último dia 9, Mendonça foi a um almoço com a bancada do PL do Senado, que também contou com a presença ilustre do partido da legenda, Valdemar Costa Neto, um dos pivôs do mensalão. No menu, salada, risoto de funghi — a bebida se resumiu a água e refrigerante. Na ocasião, o ministro reforçou o discurso de que é um servidor de carreira na AGU, de perfil humilde, tímido — e acima de tudo, um garantista, ou seja, mais inclinado a acolher os direitos de defesa de investigados. “Todos temos de ser garantistas”, costuma dizer Mendonça a senadores.O “discurso garantista” de Mendonça agradou em cheio a bancada do PL, uma das legendas que compõem o chamado Centrão.
Se receber aval do Senado para assumir uma cadeira na Corte, Mendonça deverá participar no segundo semestre de um espinhoso julgamento da Lava Jato, o caso do “quadrilhão do MDB”, que pode tornar réus os senadores Renan Calheiros (AL) e Jader Barbalho (PA) pelo crime de associação criminosa. O julgamento deve marcar uma das primeiras “provas de fogo” para identificar o posicionamento do novo ministro do STF em matérias penais.
Em outra conversa reservada, desta vez com um senador lavajatista — que (ainda) não está na mira da Justiça –, Mendonça mudou o tom do discurso adotado na sua incansável campanha por votos. Segundo relato obtido por VEJA, o advogado-geral da União defendeu o combate à corrupção e se posicionou a favor da Lava-Jato, passando a impressão de ter um perfil legalista, como são conhecidos os ministros mais rigorosos na aplicação da lei. No Supremo, esse grupo é liderado pelo ministro Luís Roberto Barroso e pelo relator da Lava Jato, Edson Fachin.
Além das ressalvas de uma parcela de senadores, Mendonça precisa enfrentar outro problema: o timing da indicação. O preenchimento da vaga no Supremo vai coincidir com o avanço dos trabalhos da CPI da Pandemia, que tem infernizado Bolsonaro ao dissecar as trapalhadas em série do governo federal no enfrentamento da pandemia e na compra de vacinas. Para um senador que torce o nariz para o chefe da AGU, a convergência dos calendários representa uma ótima oportunidade para retaliar o Planalto.
Com a segunda indicação à Suprema Corte desde que subiu a rampa do Palácio do Planalto, Bolsonaro pretende promover uma guinada conservadora no tribunal. Temas delicados para a base bolsonarista, como aborto e descriminalização das drogas, ainda aguardam uma definição dos ministros. Pastor licenciado da Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília, Mendonça já sinalizou a interlocutores que é contra as duas medidas, um recado que agrada em cheio o capitão e a comunidade evangélica. Agora a missão é mais difícil: conquistar a maioria dentro de um colégio eleitoral de 81 senadores. Na história da República, apenas cinco indicações ao Supremo já foram barradas pela Casa. Todas as rejeições ocorreram em 1894, no governo de Floriano Peixoto. Tudo que Mendonça não quer é incrementar essa lista de reprovados.