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A missão de Lula para Messias: quebrar resistências de evangélicos

O advogado-geral da União é a esperança do governo para conquistar a fatia da população em que o presidente mais patina

Por Lucas Mathias, Ricardo Ferraz Atualizado em 3 jun 2024, 17h04 - Publicado em 4 Maio 2024, 08h00

Nos corredores do poder em Brasília, circula uma anedota entre integrantes do governo que tentam, sem sucesso, conseguir uma brecha na concorrida agenda presidencial: “Da próxima vez, diga que você sabe como romper a bolha dos evangélicos”. A piada ilustra o quanto o assunto se faz prioritário para o Planalto, que se empenha em reverter a queda na popularidade de Lula justamente mirando o grupo no qual ela é mais baixa – a desaprovação da gestão petista na fatia evangélica é de 62%, enquanto no restante da população fica em 43%, de acordo com a última aferição da Genial/Quaest. Conquistar a confiança desses brasileiros, majoritariamente conservadores e alinhados à direita, tornou-se uma missão central, hoje confiada pelo próprio presidente ao advogado-geral da União, Jorge Messias, por ser ele um dos raros ocupantes da Esplanada com bom trânsito tanto no PT quanto com os líderes das grandes denominações.

Criado em uma família batista, Messias — que ficou conhecido como “Bessias” à época em que era assessor jurídico de Dilma Rousseff — é diácono em uma pequena igreja na Asa Sul do Distrito Federal, onde ajuda a manter obras sociais, e cultiva o hábito de citar em público trechos da Bíblia. Com tal currículo, acabou se aproximando de representantes da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), que quase sempre se opõe a Lula, com quem passou a conviver, seja em cultos no Congresso Nacional, seja em encontros em seu gabinete. Desde janeiro, foram oito reuniões oficiais com deputados e senadores da FPE. “Esse segmento não é exótico nem estranho para mim, sei quais são as preocupações de meus irmãos”, disse a VEJA o ministro, revestido de seu papel de interlocutor junto ao grupo, que esteve na Marcha para Jesus e na Convenção Nacional das Assembleias de Deus, ambas em 2023.

PROMESSA - O pastor Robson Rodovalho: a garantia de falar menos de política
PROMESSA - O pastor Robson Rodovalho: a garantia de falar menos de política (Reprodução/Instagram)

Em conversas com quadros evangélicos, Messias busca escapar de contendas ideológicas e alimentar uma agenda de temas como geração de renda e crescimento econômico, nos quais considera possível amealhar apoio. Ele mantém calculada distância das bandeiras levantadas pelos movimentos identitários e tão agitadas por seu partido. A amigos, defende que a discussão sobre educação não pode ser reduzida à instalação de banheiro unissex nas escolas e sustenta que não vale se enredar em polêmicas como a da descriminalização das drogas. “Brinco que sou um dos representantes da esquerda raiz, aquela que surgiu para defender o universalismo, a justiça social e a igualdade entre pessoas”, resume.

O advogado-geral da União se consolidou na posição de articulador num lance que estremeceu a já sensível relação com os evangélicos. A questão girava em torno do pagamento de impostos sobre a renda de pastores e outros líderes religiosos, as chamadas prebendas. O governo Bolsonaro havia decidido promover a isenção, mas aí a Receita Federal, já sob o guarda-chuva do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, resolveu suspender a medida, em janeiro. Os auditores alertavam que o alívio fiscal não obedecia a critérios técnicos. “Foi um processo mal instruído que não observava a legislação”, diz Messias, que caminhou sobre uma delicada linha para abrandar a ira da banda evangélica, com a ajuda do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), e, ao mesmo tempo, atender ao anseio do ministério de impulsionar a arrecadação. A solução, prestes a ser apresentada ao Congresso, veio na forma de um texto que distingue sacerdotes, ainda livres de taxação, de funcionários e prestadores de serviço dos templos, que voltarão a contribuir com o Fisco.

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EXIBIÇÃO DE FORÇA - Evento evangélico na Fonte Nova, em Salvador: atraindo multidões
EXIBIÇÃO DE FORÇA - Evento evangélico na Fonte Nova, em Salvador: atraindo multidões (Reprodução/Instagram)

São muitos os obstáculos que Messias encontra pelo caminho para avançar. Entre expoentes bolsonaristas, ele é visto como um emissário afável, bom de conversa, mas representante de um governo cuja pauta colide com os valores que defendem. “Sua boa intenção é clara, só que não adianta o governo verbalizá-la se, na prática, segue emitindo sinais no sentido contrário”, diz o deputado federal Eli Borges (PL-TO), presidente da FPE, que anda irritado com recentes embates com deputados petistas e com decretos do Ministério da Saúde que restabeleceram a realização de aborto nos casos previstos em lei, suspensa na gestão anterior. “A origem da bancada evangélica está justamente na necessidade de frear essa pauta de costumes”, afirma a cientista política Ana Carolina Evangelista, diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião (Iser).

Além de parlamentares barulhentos, o governo entende ser central encarar a estridente turma de influenciadores de pendor radical que faz seu ideário ecoar em escala bíblica nas redes. Dos dez com mais seguidores à extrema direita, oito são evangélicos, segundo um novo estudo das universidades federais Fluminense (UFF) e do Rio de Janeiro (UFRJ). Uma análise dos discursos que alcançam milhões traz, na essência, um Lula demonizado e ataques em série contra o que seria “a ameaça da volta do comunismo”. Entre petistas, há consenso de que é preciso ajustar o tom para transpor o paredão que os separa do eleitorado evangélico. Uma tática é apresentar tópicos caros ao partido sob uma lente religiosa. Para defender no rádio as cotas universitárias, por exemplo, aliados de Lula têm feito referência à passagem do Velho Testamento que trata da libertação dos escravos do Egito.

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ALÍVIO FISCAL - Crivella, da FPE: ajuda a Messias na taxação pelo Fisco
ALÍVIO FISCAL - Crivella, da FPE: ajuda a Messias na taxação pelo Fisco (Will Shutter/Câmara dos Deputados)

Uma das árduas tarefas de Messias é convencer o alto escalão das grandes igrejas a concentrar sua pregação na fé, suavizando o viés político. “A ideia não é colocar Lula no púlpito, mas devolver Jesus para lá, porque ele foi sequestrado nos últimos anos”, diz o ministro. Ele já recebeu sinalizações, via pastores progressistas a quem é ligado, de que lideranças próximas a Jair Bolsonaro, como Robson Rodovalho (Sara Nossa Terra), César Augusto (Fonte da Vida) e JB Carvalho (Comunidade das Nações) pretendem manter a política mais distante das pregações. Habituado a ter a ex-­primeira-dama Michelle Bolsonaro em seus cultos, JB, que é amigo de Messias, o aconselhou a promover a “paz entre os homens de boa vontade”.

Não é sempre, porém, que o interlocutor do presidente preserva o tom ponderado. Há quinze dias, enquanto o pastor Silas Malafaia discursava a cerca de 30 000 pessoas na Praia de Copacabana, em ato a favor de Bolsonaro, Messias fez questão de postar uma foto da visita do papa Francisco ao Rio, em 2013, exibindo uma ocupação da orla bem maior. “Para quem quer a paz, ele anda bem belicista”, alfineta o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), do círculo de Malafaia. Messias não se abala: “Jesus nos ensinou a ir atrás das ovelhas que se desgarraram”. Tudo é possível para quem tem fé. Mas não será nada fácil.

Publicado em VEJA de 3 de maio de 2024, edição nº 2891

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