O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) instaurou na quarta-feira 4 um inquérito civil para apurar o recolhimento e a inutilização de material didático de ciências distribuído na rede de ensino paulista. O ato foi determinado na terça 3 pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que indicou, em postagem no Twitter, que o conteúdo fazia apologia à “ideologia de gênero”.
A Promotoria vê “possível violação do direito à educação”, “infração aos princípios constitucionais do ensino” e “eventual lesão ao erário” na decisão de recolher o material destinado a adolescentes do 8º ano do fundamental das escolas estaduais. O livro faz parte de uma coleção distribuída pela rede desde 2009, atualizada este ano e que chegou às escolas em agosto.
A apostila traz um texto que trata da diversidade sexual e que aborda diferenças entre sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual, apresentando a definição de termos como “transgênero”, “cisgênero”, “homossexual” e “bissexual”. Um dos trechos diz: “Podemos dizer que ninguém ‘nasce homem ou mulher’, mas que nos tornamos o que somos ao longo da vida, em razão da constante interação com o meio social”.
Ao instaurar o procedimento, o Núcleo da Capital do Grupo de Atuação Especial de Educação (Geduc) do MP-SP apontou que, segundo manifestação do governo estadual, a decisão se baseou na avaliação de que o conteúdo seria “impróprio para a respectiva idade e série” por tratar de “ideologia de gênero”.
Segundo a secretaria da Educação estadual, o termo “identidade de gênero” está em desacordo com a Base Nacional Comum Curricular, documento que define os objetivo de aprendizagem em cada etapa escolar, aprovada em 2017 pelo ministério da Educação.
Na portaria que instaura o inquérito, o núcleo considera que, entre os objetivos do estado brasileiro, estão a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
No texto, o Ministério Público destaca ainda que o artigo 214 da Constituição prevê que “o planejamento das políticas públicas educacionais exige dos poderes públicos ações articuladas que conduzam a promoção humanística, científica e tecnológica do país”.
O Geduc também pergunta à pasta se houve eventual consulta aos docentes da rede e a órgãos colegiados de gestão democrática antes da adoção da medida, e pede que sejam informados os valores pagos para edição, impressão, distribuição e armazenamento das apostilas, indicando as empresas que foram contratadas para os serviços ou os setores da administração pública que foram mobilizados para a realização de tais atividades.
O inquérito pede, caso o recolhimento seja mantido, que as cartilhas sejam preservadas para apuração dos fatos.
Consultada pela reportagem, a secretaria da Educação estadual informou “que está à disposição do Ministério Público Estadual para prestar todos os esclarecimentos necessários.”
Bolsonaro x Doria
Cerca de 30 minutos após a publicação de Doria no Twitter, o presidente Jair Bolsonaro fez uma publicação destacando que a Advocacia-Geral da União se manifestou no sentido de que “legislar sobre ideologia de gênero” é uma competência federal.
No post, o presidente indicou ainda que determinou ao ministério da Educação a preparação de um projeto de lei que proíba a “ideologia de gênero” no ensino fundamental. O MEC informou que ainda não vai se posicionar sobre o pedido para elaborar o projeto de lei.
De olho na eleição de 2022, Bolsonaro passou a fazer comentários depreciativos contra Doria, que também almeja concorrer à Presidência da República e disputaria o mesmo eleitorado do presidente do PSL. No último episódio do embate, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Bolsonaro disse que o tucano não terá chances no próximo pleito por ser uma “ejaculação precoce”. Em resposta, Doria comparou a fala do presidente a declarações do petista Luiz Inácio Lula da Silva.