O Partido dos Trabalhadores divulgou, neste domingo, um vídeo em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz estar “muito bem” e com a “consciência tranquila”. A gravação foi feita em uma visita do teólogo Frei Betto, aliado do petista desde a fundação do partido, antes de ele decidir cumprir a ordem de prisão do juiz federal Sergio Moro.
Na ocasião, quando estava no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP), Lula ainda tinha esperança de que aconteceria “alguma coisa juridicamente” contra o que chamou de “alucinação” de Moro — e evitasse a sua prisão. Ele lembrou a primeira vez em que foi preso, em 1980, quando tinha a companhia do mesmo Frei Betto em sua casa. “Eu estou muito mais tranquilo hoje”, disse.
“Eu duvido que o Moro, [o procurador Deltan] Dallagnol, os caras que fizeram as mentiras que estão fazendo contra mim deitem toda noite com a consciência tranquila que eu deito e durmam o sono que eu durmo”, disse no início da gravação. “Eu sabia que o impeachment da Dilma não era para parar na Dilma. Eles não queriam mais que o PT pensasse em voltar porque eles não querem mais política de inclusão social.”
Lula afirmou que ainda estava “meditando” sobre a decisão de se entregar e destacou que há um último recurso a ser apresentado perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. “Toda essa palhaçada com meu nome que eles [da Lava Jato] e a Globo fazem todo santo dia não podem ter um fim se eu não for preso. Então a ideia é a seguinte: vai que vem uma liminar e acabe com esse negocio da condenação na segunda instância e nós não prendemos o Lula? Pô, assim não vale”, avaliou.
O petista chegou a Curitiba na noite deste sábado e foi levado de helicóptero para a Superintendência da Polícia Federal na capital paranaense, onde vai começar a cumprir a pena de doze anos e um mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Ele foi condenado no processo do tríplex no Guarujá, no âmbito da Operação Lava Jato.
O helicóptero pousou na PF às 22h30. Do lado de fora do prédio, manifestantes contrários ao petista gritavam “Lula na cadeia!” e soltavam fogos de artifício para comemorar a prisão. Alguns dos rojões passaram perigosamente perto da aeronave. Grupos em apoio ao ex-presidente também estavam no local, mas foram separados dos antipetistas pela polícia após provocações mútuas durante a tarde.
O encarceramento de Lula aconteceu mais de dois dias depois de o juiz federal Sergio Moro ter decretado a prisão do político. No documento, o magistrado responsável pela Lava Jato deu a possibilidade para que Lula se apresentasse voluntariamente à Polícia Federal até as 17 horas de sexta-feira (6). Ainda na noite de quinta, porém, o petista se enclausurou no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP), onde recebeu o apoio de militantes e aliados políticos.
Ele passou a noite no local e deixou estourar, na sexta, o prazo dado por Moro. Na manhã deste sábado, participou de uma missa em memória da ex-primeira-dama Marisa Letícia, que faria aniversário, e discursou. Em sua fala, o petista atacou a Lava Jato e a imprensa, prometeu que ia se entregar e disse: “Não sou mais um ser humano, sou uma ideia”.
A rendição de Lula, porém, não foi tranquila. Por volta das 17 horas, ele e seu advogado Cristiano Zanin tentaram deixar o local em um carro prata. Manifestantes favoráveis ao ex-presidente se aglomeraram na frente do local e não deixaram o veículo sair. Quase duas horas depois, enfim, o petista se entregou: saiu do sindicato a pé, cercado por uma multidão, e entrou em um carro da polícia — sem identificação — que o aguardava na rua de trás.
Em seguida, o comboio com o ex-presidente foi para a sede da PF em São Paulo, na Lapa, onde Lula passou por exame de corpo de delito. De lá, ele e os policiais foram de helicóptero para o aeroporto de Congonhas, onde o grupo pegou um avião para Curitiba (PR).
Longo processo
A prisão do líder petista é o momento final de um processo que começou em 14 de setembro de 2016 com a denúncia de corrupção passiva e lavagem de dinheiro movida pelo Ministério Público Federal no âmbito da Operação Lava Jato.
De acordo com a denúncia, Lula recebeu 3,7 milhões de reais em vantagens indevidas pagas pela OAS. A maior parcela, 1,1 milhão de reais, corresponde ao valor estimado do tríplex, cujas obras foram concluídas pela empreiteira. Os procuradores sustentaram ainda que a companhia gastou 926.000 reais para reformar o apartamento e outros 350.000 reais para instalar móveis planejados na unidade, sempre seguindo projeto aprovado pela família Lula.
A sentença veio em menos de dez meses. No dia 12 de julho de 2017, o juiz Sergio Moro considerou Lula culpado e aplicou a pena de nove anos e seis meses de prisão. “O condenado recebeu vantagem indevida em decorrência do cargo de presidente da República, ou seja, de mandatário maior. A responsabilidade de um presidente da República é enorme e, por conseguinte, também a sua culpabilidade quando pratica crimes”, escreveu o juiz.
Moro ainda aplicou uma multa de 700.000 reais, confiscou o imóvel — cujo leilão é aguardado para maio — e interditou o petista de ocupar cargos públicos. Mas evitou decretar a prisão de imediato. “Considerando que a prisão cautelar de um ex-presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação.”
As atenções seguiram os passos da defesa de Lula e transferiram-se de Curitiba para Porto Alegre, onde está sediado o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Lá, o processo de Lula seguiu o mesmo caminho de outros recursos no âmbito da Operação Lava Jato: a Oitava Turma, cuja severidade com os réus já havia se manifestado não só com a manutenção das penas de Moro, como também com a ampliação das penas prescritas pelo magistrado.
Com o entendimento do Supremo Tribunal Federal que permite a prisão em segunda instância em pleno vigor, o TRF4 fez questão de esclarecer que Lula só seria preso após se encerrarem os recursos cabíveis contra, à época, a então hipotética confirmação da condenação pelos desembargadores da Oitava Turma.
A decisão colegiada veio no dia 24 de janeiro, quando os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus mantiveram o entendimento de Moro sobre a culpa de Lula no caso do tríplex e endureceram a pena para doze anos e um mês de prisão. Além de deixar Lula mais próximo da cadeia, a decisão produziu um segundo efeito, este imediato: o ex-presidente foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que impede a eleição de condenados por corrupção em órgãos colegiados da Justiça.
A batalha de Lula pela sua liberdade foi, então, para Brasília, onde sua defesa recorreu em um primeiro momento ao Superior Tribunal de Justiça. Nesta corte, o petista teve um habeas corpus preventivo negado pelo ministro Humberto Martins, cuja decisão foi confirmada por cinco votos a zero na Quinta Turma Criminal da corte.
Naquele julgamento, no dia 6 de março, os ministros repetiram o argumento que o STF autorizou a prisão em segunda instância, algo que o TRF4 afirmou que aplicaria assim que não fosse mais possível recorrer no tribunal. Só que a defesa de Lula tinha ao seu alcance um único tipo de recurso: os chamados embargos de declaração, que servem apenas para esclarecer pontos específicos da decisão dos desembargadores e são incapazes de levar a uma mudança no julgamento.
Sem chances de reverter a condenação no TRF4, em março deste ano a defesa de Lula centrou seus esforços no Supremo Tribunal Federal e na tentativa de alterar a jurisprudência da Corte, que autorizou a execução da pena em segunda instância. O máximo que o petista conseguiu foi um salvo-conduto até o início de abril para impedir sua prisão imediatamente após o julgamento dos embargos de declaração, em Porto Alegre, já que a sessão do STF foi interrompida.
O julgamento do STF foi concluído no dia 4 de abril, quando, por 6 votos a 5, os ministros rejeitaram o habeas corpus preventivo manejado pela defesa de Lula. Foi decisivo o voto da ministra Rosa Weber, pessoalmente contra a execução de pena após condenação em segunda instância, mas que resolveu manter-se fiel à forma como vinha decidindo até então: em casos de habeas corpus deveria submeter-se ao entendimento do Plenário.