Em agosto de 2005, Brasília parou para ouvir o depoimento do publicitário Duda Mendonça na Comissão Parlamentar de Inquérito que investigava o escândalo do mensalão. No Palácio do Planalto, o clima era de extrema apreensão. Duda havia sido o responsável pela bem-sucedida campanha que levou Lula à vitória depois de três fracassos eleitorais consecutivos. Ele também era acusado de receber seus honorários através de uma conta secreta no exterior. Se confirmado, o presidente estaria em sérios apuros, poderia sofrer um processo de impeachment ou simplesmente ter o mandato cassado. A tensão era tamanha que assessores do petista discutiam a possibilidade de renúncia caso aquele segredo guardado a sete chaves fosse revelado. E o segredo foi revelado. No Congresso, o publicitário admitiu que recebeu 10 milhões de reais, via caixa dois, numa conta aberta nas Bahamas. Mas Lula, como se sabe, não renunciou, não teve o mandato cassado e ainda foi reeleito em 2006.
O susto não serviu de exemplo. Para o lugar de Duda Mendonça, o PT contratou João Santana, ex-sócio do próprio Mendonça. O marqueteiro, além de reeleger Lula, elegeu e reelegeu Dilma Rousseff. Em 2017, a Lava-Jato descobriu que ele compartilhava dos mesmos métodos do antigo sócio. Preso, confessou ter recebido o equivalente a 38 milhões de reais em contas secretas no exterior e que Lula e Dilma sabiam do esquema ilegal. De novo, apesar de mais um susto, nada aconteceu com os clientes. Há duas semanas, o partido anunciou o responsável pelo marketing da campanha do ex-presidente em 2022. O escolhido foi Sidônio Palmeira, que trabalhou para Fernando Haddad em 2018, mas foi na Bahia, onde elegeu e reelegeu Rui Costa, o atual governador, que ele construiu a carreira. Seu histórico também inclui um episódio pouco edificante. Ele é acusado de enriquecimento ilícito num caso bem similar aos esquemas de corrupção que enredaram seus antecessores.
O Ministério Público acusa Sidônio de participar de uma operação ilegal que desviou 7,5 milhões de reais dos cofres públicos. O publicitário é dono da Leiaute Propaganda. Em 2006, um consórcio liderado pela empresa venceu uma licitação para prestar serviços de propaganda à Câmara dos Vereadores de Salvador. Uma auditoria do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia, porém, descobriu uma série de fraudes no negócio. A principal delas: a empresa recebeu o dinheiro e simplesmente não prestou o serviço combinado. VEJA teve acesso à ação de improbidade que tramita na Justiça baiana. Depois de investigarem o caso, os promotores denunciaram o marqueteiro por enriquecimento ilícito e pediram o bloqueio das contas bancárias e ativos dele e da Leiaute. Além de Sidônio, o rol de acusados inclui um vereador que presidia o Legislativo local na época em que as irregularidades foram praticadas.
A história narrada pela acusação sugere a mesma rota seguida por um pedaço bastante significativo do orçamento público brasileiro. O consórcio foi contratado por 2 milhões de reais para prestar serviços de publicidade. O valor, sem qualquer explicação plausível, foi sendo reajustado e, em alguns meses, atingiu 7,5 milhões, um acréscimo de 375%. Os auditores afirmam que o aditamento, por si só, já foi ilegal. Para piorar, o trabalho nem sequer teria sido prestado. Em sua defesa, o publicitário atribui o caso a uma falha dos vereadores na prestação de contas. O MP não se convenceu e, desde 2018, pede que Sidônio devolva parte do dinheiro desviado. “Afinal, foram milhões de reais envolvidos no Contrato e seus Termos Aditivos, comprovadamente irregulares e, ainda, pretendem os acionados serem tratados como vítimas de uma suposta imprevidência de gestores, frontalmente vilipendiados pela Auditoria do TCM e pelo Ministério Público”, escreveu a promotora Heliete Viana.
Procurado por VEJA, o publicitário disse que as acusações carecem de fundamentação e nega totalmente o episódio. “Não houve enriquecimento ilícito, é um absurdo, uma história totalmente estapafúrdia. Estou há anos tentando demonstrar isso. O MP não entende como funciona uma agência de publicidade. Eu deveria entrar com um processo contra essa promotora”, enfatizou Sidônio. Um detalhe importante: a denúncia do MP está parada há mais de quatro anos na 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Salvador, aguardando uma manifestação do juiz, que deve decidir se arquiva o caso ou transforma os suspeitos em réus. Em abril, a promotora Nívia Carvalho protocolou um ofício dirigido ao magistrado responsável, cobrando o andamento da ação. A consulta continuava sem resposta até a semana passada, algo péssimo para acusadores e para a imagem do acusado.
SOBRE AS ACUSAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO, A DEFESA DE SIDÔNIO PALMEIRA ENCAMINHOU A SEGUINTE NOTA:
No dia de hoje, a Revista Veja publicou uma acusação sobre um suposto beneficiamento por parte da Leiaute Propaganda em um dos contratos firmados com a Câmara Municipal de Salvador, no ano 2006. Diante dos prejuízos dos ataques à reputação da empresa e dos sócios, sentimos o dever de esclarecer os fatos. Sobre a Contratação: a suspeita do Ministério Público era de que o consórcio da CCA e Leiaute teria ocorrido após a licitação em 04.05.2006. No entanto, em simples consulta ao CNPJ e registro na JUCEB, percebe-se que o Consórcio Leiaute e CCA existia desde 02 de maio de 2005, mais de um ano antes, portanto. Sobre a não contraprestação do serviço: a denúncia fala da ausência de comprovação da contrapartida da Leiaute na veiculação de matérias publicitárias da Câmara Municipal. No entanto, a Leiaute nunca tinha sido intimada para apresentar qualquer documentação com essa comprovação, apenas sendo instada no processo, quando apresentou todas as comprovações detalhadas da prestação de serviço. Os órgãos de Controle apenas tinham informações da Câmara Municipal de Salvador, que, infelizmente, parece não ter encaminhado o material à época. Sobre a ilegalidade na efetivação de aditivos contratuais: todos os aditivos econômicos foram celebrados dentro do percentual previsto na lei, com a chancela da procuradoria da Câmara Municipal. E diferentemente do alegado pelo Ministério Público, há requisito legal que possibilita renovações de contrato de Publicidade por até 60 (sessenta) meses, nos casos de serviços de natureza continuada, conforme reconhece e autoriza os próprios órgãos de controle como TCU e TCE. Registre-se que Sidonio Palmeira trabalha com publicidade há mais de 30 anos, e o único processo que existe contra ele é exatamente este, ao qual se arrasta a anos sem qualquer justo motivo, e tal demora só agride aos imputados, em especial, ao próprio Sidonio, que não cometeu qualquer irregularidade. Essa é a VERDADE!
Publicado em VEJA de 18 de maio de 2022, edição nº 2789