A pandemia do coronavírus ainda estava no início, em abril, quando uma crise política de dimensões aparentemente gigantescas eclodiu. Sergio Moro, o superministro da Justiça, pediu demissão e acusou Jair Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal — denúncia que, devidamente comprovada, tinha potencial suficiente para implodir o governo. O caso, porém, gerou mais barulho do que propriamente destruição. Como evidência do que estava dizendo, o ex-ministro citou uma reunião ministerial em que o presidente teria deixado claros seus objetivos (na tese de Moro, não republicanos) ao pressionar por uma troca da PF. A gravação da reunião não mostrou exatamente o que Moro denunciava, mas criou um enorme constrangimento para o governo ao revelar cenas de Bolsonaro e de alguns ministros atacando o Congresso e o Supremo Tribunal Federal com palavrões e xingamentos. A fusão da tragédia sanitária com a crise política chegou ao ponto de a palavra impeachment ressurgir nas conversas de bastidor em Brasília — mas ficou apenas nisso. Passada a confusão, a avaliação é de que Bolsonaro perdeu o seu ministro mais popular e ganhou um adversário de peso para enfrentá-lo nas eleições de 2022.
As pesquisas de intenção de voto apontam o ex-juiz como um nome capaz de fazer frente a Bolsonaro num confronto direto. Moro, porém, praticamente submergiu depois de deixar o governo. Na planície, ele voltou a dar aulas e palestras e, recentemente, assumiu o cargo de sócio-diretor de uma consultoria americana, onde atuará em programas antifraude, governança e compliance. Sobre política, pouco ou quase nada revela de seus planos. O máximo que se conseguiu extrair dele até hoje foi uma autodefinição sobre seu perfil (centro-direita) e suas convicções econômicas (liberais). O ex-ministro costuma fazer comentários nas redes sociais a respeito de temas do dia a dia, já se encontrou com presidenciáveis, como o governador João Doria e o apresentador Luciano Huck, mas garante que isso nada tem a ver com projetos pessoais. Por enquanto, diz que pretende se manter o mais afastado possível de Brasília. Temido e odiado por alguns setores, especialmente os que acabaram enroscados na teia da Lava-Jato, ele sabe que a viabilidade de sua candidatura está muito atrelada à performance do governo. Dependendo da direção do vento no fim de 2021, Moro se apresentará à política — ou não.
Publicado em VEJA de 30 de dezembro de 2020, edição nº 2719