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O Brasil dá medo

O youtuber Felipe Neto diz que o governo Bolsonaro é “uma piada”, revela que sofre ameaças de morte e teme o rumo que o país está tomando

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 16h16 - Publicado em 10 Maio 2019, 07h00

Quando tinha 22 anos, Felipe Neto estreou no YouTube desferindo críticas impiedosas contra fenômenos do público adolescente, como o cantor Justin Bieber e a saga Crepúsculo. Tornou-se ele próprio um fenômeno. Hoje, quase dez anos depois, tem 32 milhões de seguidores no YouTube, 10 milhões no Instagram e quase 9 milhões no Twitter. Com tanto sucesso no universo digital, ajudou a fazer outros sucessos. Promoveu seu irmão, Luccas Neto, de 27 anos, que virou o maior youtuber brasileiro junto ao público infantil, e sua namorada, Bruna Gomes, também uma das grandes influenciadoras de crianças nas redes sociais. Trabalha, ainda, como empreendedor nas redes sociais, e fora delas. Sua empresa emprega 138 pessoas. Milionário aos 31 anos, Neto vive numa mansão de cerca de 7 milhões de reais em um luxuoso condomínio na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, viaja de jatinho (sempre alugado) e resolveu patrocinar seu time do coração, o Botafogo. Em um país politicamente polarizado, era inevitável que Felipe Neto entrasse no terreno da política. O surpreendente é que tenha se tornado um improvável líder de oposição. Antes, fazia críticas mordazes contra o PT e suas “medidas erradíssimas”. Hoje, desanca sem dó o governo de Jair Bolsonaro, que entrará para a história, diz ele, como “uma piada” ou como “um marco horroroso”. A seguir, sua entrevista a VEJA, concedida em sua casa, no Rio de Janeiro.

O senhor era crítico do PT. Agora, de Bolsonaro. Virou a casaca? É uma impressão errada, apesar de eu compreendê-la. Viramos um país no qual a política é um Fla-Flu. Para boa parcela, ou se está de um lado ou do outro. Só que existe uma distância enorme de um lado para o outro. Não me encaixo nos extremos. Não sou PT. Não sou PSL. Ambos representam radicalismos. Do lado de Bolsonaro, há uma visão ultraconservadora.

Qual a sua posição ideológica? Há um descrédito das pessoas em relação a quem se mantém balanceado, no centro. Chamam de “isentão”. Tentam ver demérito nisso, o que é um problema sério. Defendo pautas progressistas que alguns veem como de esquerda, mas que não deveriam ser de domínio único da esquerda. Protejo liberdades individuais, o feminismo, os direitos humanos, a conservação do meio ambiente. No entanto, considero-me um liberal em economia. Mas aí vou à internet, defendo direitos humanos, e já me chamam de comunista, o que não faz sentido. Bastaria observar os Estados Unidos. Lá a maconha é legalizada em diversos estados e é possível fazer aborto. Vão falar agora que os Estados Unidos são comunistas?

Por que então declarou voto em Fernando Haddad, do PT, no Twitter? No primeiro turno das eleições não quis votar para presidente. Pesquisei muito, mas não encontrei alguém com quem me identificasse. No segundo turno, fiquei em dúvida até o fim, tamanha a ojeriza que tenho pelo PT. E isso mesmo com o Bolsonaro do outro lado. Só que tudo mudou no dia em que o Bolsonaro disse que ia “varrer do mapa os vermelhos”. Como cidadão, ainda mais sendo uma figura pública, eu não podia ser conivente com um político que ameaça violentamente a oposição. Ainda mais em um momento no qual eu era considerado oposição simplesmente por defender direitos básicos. Virou questão de posicionamento em favor da sobrevivência das pessoas, incluindo a minha e a de minha família. Não podia ser conivente com o que estava ocorrendo no país. Por esse motivo, faltando poucos dias para as eleições, eu disse que votaria em Haddad. Mesmo com o coração sangrando, era a única opção permitida pela minha consciência. Mas Bolsonaro ganhou. E estou com medo.

“Olavo de Carvalho é um pregador do obscurantismo. Do tipo mais perigoso. Convenceu um grupo de indivíduos sem nenhuma importância se não estivessem onde estão: no poder”

Medo de quê? Temo pela minha segurança, sim, assim como pela de minha família. Tenho criticado milicianos e gente ligada a pensamentos de extrema violência. Sou frequentemente ameaçado de morte. Vivo com uma segurança pesadíssima, assim como meus familiares. Agora, mais do que isso, temo pelo Brasil.

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Por quê? Passaram-se só quatro meses de Bolsonaro e já há diversos ataques ao meio ambiente e à educação dos brasileiros. Colocou-se, por exemplo, o autor de um projeto permissivo à caça, o ex-deputado Valdir Colatto (MDB-SC), para chefiar justamente um órgão ambiental, o Serviço Florestal Brasileiro. Ruralistas que tentam explorar ao máximo a economia, sem pensar na natureza, estão à frente de instituições ambientais. É um escândalo. Também me preocupa demais o que ocorre na área da educação. Reflita: agora Olavo de Carvalho, um ex-astrólogo que nem concluiu o colégio, indica ministros dessa pasta. Assim, acabamos inicialmente com um sujeito, o Ricardo Vélez, que nem era capaz de apresentar propostas. Depois entrou Abraham Weintraub, outra piada de péssimo gosto e que só está lá para punir professores e universidades que não concordem com sua ideologia. Bolsonaro ainda quer aprovar o Escola sem Partido. Conversei com pessoas envolvidas nesse projeto. Fica óbvio como ele foi elaborado primeiro como uma cortina de fumaça, escrito para não ser aprovado no ano passado. Era só uma forma de trazer votos a Bolsonaro e aos seus. Agora que esses aí dominaram o Congresso, aposto que vão tentar apresentar uma versão mais radical e cheia de ideologia ultraconservadora. Se bo­bear, ainda será aprovada. Faz tudo parte de uma jogatina política. E isso articulado por quem se vende como de uma “nova política”.

Por que o senhor resolveu ser tão ativo na oposição a Bolsonaro? Insisto: já me opunha ao governo anterior. Foram anos batendo no PT. Porém, começaram agora a notar essa postura política no Twitter por algumas razões. Primeiro, pelos números crescentes que envolvem minha atuação nas redes sociais. Mais que isso, também amadureci. Estourei no YouTube com 22 anos. Todo o meu processo de amadurecimento foi exposto. Isso até meus atuais 31 anos. Muito daquilo em que eu acreditava, não acredito mais. Estudei, amadureci certos posicionamentos. Antes as pessoas me viam como um menino revoltado. Hoje em dia, sou criterioso. Pesquiso bastante antes de escrever qualquer coisa. Até porque estamos em uma era tomada pelas fake news. Então é dever de todo cidadão verificar informações antes de compartilhá-las. Ainda mais quando se trata de uma figura pública. Nesse caso, quem espalha uma mentira está realmente desinformando milhões de pessoas.

Qual é o perigo das fake news? Há nas redes sociais um nível tão grande de manipulação que muita gente credita até a eleição de Bolsonaro à quantidade de inverdades passadas aos eleitores.

O senhor acredita nisso? A ampla desinformação teve seu papel. Só que essa tática ocorreu dos dois lados da disputa. Existiram outros fatores determinantes para a vitória de Bolsonaro. Um deles foi o cansaço do povo brasileiro em relação a dezesseis anos de descaso, de medidas erradíssimas do governo federal, o que culminou em uma revolta notável.

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Nas redes sociais, um dos maiores alvos de suas críticas é o filósofo Olavo de Carvalho, guru da direita radical e da família Bolsonaro. Por quê? Olavo é um pregador do obscurantismo. Do tipo mais perigoso. Atenta contra instituições de ensino, pois diz acreditar que a inteligência vem só dele. Repudia fatos comprovados pelo método científico, em favor de teorias da conspiração. É contra a vacinação, não crê no heliocentrismo, defende a tese de que o cigarro não faz mal à saúde, refuta teorias de Einstein, sem apresentar argumentos. É uma figura que ainda acha que vive na Guerra Fria, alimentando o medo de um comunismo que nem existe mais apenas para se promover como herói do ultraconservadorismo cristão contra uma inventada revolução satânica. Olavo conseguiu convencer um séquito de indivíduos sem nenhuma importância se não estivessem onde estão: no poder.

Por que essas ideias ganharam tração na internet, o mesmo meio em que o senhor ascendeu? Olavo faz uma lavagem cerebral. Fala bem, de forma fácil de entender, e citando 800 autores. Mesmo que deturpe tudo, seu público jamais vai ler os livros que ele menciona nem saberá quanto tudo é balela. Olavo consegue dar a impressão aos seus fãs de que eles são mais inteligentes apenas por ouvi-lo. Ele se diz dono de todas as verdades, e aí os seguidores se acham os desbravadores da verdade. Tudo de maneira simples, pois Olavo ainda diz que nem é necessário estudar para saber de tudo. Bastaria assistir aos seus vídeos. O problema é que sou visto como um menino de 31 anos rebatendo um senhor de 72. É preciso dar voz a intelectuais de peso que refutem Olavo.

O senhor tem feito isso? Tenho compartilhado vídeos e textos, no Twitter, de filósofos e cientistas de renome. É importante, na internet, os jovens terem contato com nomes sensatos como Pirula, Henry Bugalho, Clayson Felizola.

“Repare nas críticas de bolsonaristas. Eles não apresentam argumentos. Só são agressivos, xingam. São adultos agindo como fãs adolescentes de Justin Bieber”

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O senhor pretende entrar formalmente na política? Muitos acham que faço reuniões secretas instigando pessoas. Longe da verdade. Um dos raros pontos positivos deste governo — além de algumas medidas econômicas — é ter unido os indivíduos sensatos contra aqueles que amam ditaduras. Tanto que há na oposição a Bolsonaro pessoas de esquerda, de centro, de direita. Basta ter algum bom-senso para entender que Bolsonaro é patético e que será lembrado no futuro como uma piada ou como um marco horroroso. Uma prova disso é como agem os fãs de Bolsonaro. Repare nas críticas que recebo de bolsonaristas no Twitter. Eles não apresentam argumentos. Só são agressivos, xingam. São adultos que agem igual aos fãs adolescentes de Justin Bieber, que me atacaram quando critiquei o artista.

O senhor trabalha em alguma iniciativa de cunho político? Não. Estou fazendo um projeto, ao qual pretendo me dedicar nos próximos anos, cujo objetivo é promover a educação voltada para a criatividade e o controle cognitivo, atravessando todas as disciplinas em escolas públicas. Para isso, usarei minha fama como forma de promoção. Mas também reuni um grupo interessado. Aproximei-me de políticos que realmente pensam em medidas positivas, como a deputada federal Tabata Amaral, do PDT de São Paulo.

Por que o senhor adota posições políticas claras no Twitter, mas mantém a discrição no YouTube? No YouTube mostro um trabalho profissional, apresentando vídeos focados em divertir o público de jovens. No Twitter, sou só eu, dando opiniões.

Como responde a pais que se incomodam com seus posicionamentos? Como youtuber, meu foco é falar com os filhos, não com os pais. No Twitter, se me odeiam pelo meu posicionamento, como a defesa dos direitos humanos, não há muito que eu possa fazer.

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Publicado em VEJA de 15 de maio de 2019, edição nº 2634

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