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O governo Bolsonaro tem um novo aliado na briga contra o STF: os militares

O acirramento dos ânimos entre o Executivo e o Supremo Tribunal Federal ganha um complicador importante e imprevisível

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h26 - Publicado em 29 Maio 2020, 06h00
OPERA«¿O VERDE BRASIL COLETIVA DE IMPRENSA
General Augusto Heleno, ministro-chefe do GSI (Wallace Martins/Futura Press)

“O Gabinete de Segurança Institucional alerta as autoridades constituídas que tal atitude (apreender o celular do presidente) poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional.”

General Augusto Heleno, ministro-chefe do GSI

Na famosa reunião ministerial de 22 de abril, Jair Bolsonaro classificou de “muito boa” a nota divulgada pelo Ministério da Defesa após a participação dele numa manifestação a favor do fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). O afago era compreensível, já que o texto — ao listar platitudes, como a promessa de respeito à Constituição e à harmonia entre os poderes — não trazia uma reprimenda enfática às pretensões golpistas dos apoiadores do presidente. “Não aceita o golpe. Dez”, disse Bolsonaro na reunião, para em seguida cobrar empenho dos militares na proteção de seu mandato, ameaçado por pedidos de impeachment e por uma investigação em curso no STF. “A Defesa (…) Também não aceita um contragolpe dos caras, p…!”, bradou com um palavrão, bem no seu estilo. A cobrança surtiu efeito, e os generais do governo, que antes devotavam apoio nos bastidores, agora deixam transparecer publicamente que estão fechados com o presidente.

The Federal Government Launches A New Campaign Against Domestic Violence Amidst the Coronavirus (COVID – 19) Pandemic
General Luiz Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo (Andressa Anholete/Getty Images)

“Não vou aceitar que me usem para atacar minha amada instituição! (…) A guerra continua e não tem data para o armistício, e não posso abandonar minha posição.”

General Luiz Ramos, ministro-chefe da Secretaria de Governo

Essa mudança de postura ficou clara depois que o decano do STF, o ministro Celso de Mello, encaminhou para a manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR) um requerimento de partidos de oposição que pedia a apreensão dos celulares do presidente e de seu filho Carlos Bolsonaro, mentor das milícias bolsonaristas nas redes sociais. A iniciativa do magistrado foi protocolar e, por isso, não indicava uma predisposição dele para aceitar tal pedido. O presidente e sua tropa palaciana, no entanto, consideraram o ato uma declaração de guerra. Reunido com os ministros Fernando Azevedo (Defesa), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), todos generais, Bolsonaro afirmou que, mesmo se houvesse uma ordem judicial, não entregaria seu telefone. Heleno, então, divulgou uma nota em que tachou o pedido de apreensão do celular do chefe de “inconcebível” e “inacreditável”. O general ainda soou ameaçador: “Tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.

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Luiz Fux, presidente em exercício do STF (Nelson Jr./SCO/STF)

“Esta Corte mantém-se vigilante contra qualquer forma de agressão à instituição, na medida em que ofendê-la representa notório desprezo pela democracia.”

Luiz Fux, presidente em exercício do STF

A interlocutores, Heleno reclamou do que chamou de “dois pesos e duas medidas”. Na mesma decisão em que intimou os ministros-generais a depor, se necessário, “debaixo de vara” no caso em que Sergio Moro acusa o presidente de tentar interferir politicamente na Polícia Federal (PF), Celso de Mello rejeitou um pedido de perícia no celular do ex-ministro da Justiça feito pela PGR, sob o argumento de que, para isso, era necessário antes um pedido de busca e apreensão. Dias depois, diante da solicitação de partidos de oposição sobre a apreensão dos celulares de Bolsonaro, o decano, em vez de negar de imediato, requereu a opinião da PGR. Foi o suficiente para passar a ser tratado como conspirador. A nota de Heleno não teria tanta repercussão não fosse por um detalhe: ao contrário de suas manifestações anteriores, o texto desta vez foi avalizado pelo ministro da Defesa. Em mensagem enviada à CNN Brasil, Fernando Azevedo afirmou que “a simples ilação da apreensão do celular do presidente da República, na visão dele, é absurda”. “Afronta a segurança institucional”, acrescentou.

Luis Barroso, ministro do STF
Luis Barroso, ministro do STF (Nelson Jr./SCO/STF)

“O ataque destrutivo às instituições, a pretexto de salvá-las, depurá-las ou expurgá-las, já nos trouxe duas longas ditaduras na República. São feridas profundas da nossa história, que ninguém há de querer reabrir.”

Luís Barroso, ministro do STF
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Antes da pandemia, os militares estavam divididos em relação ao comportamento de Bolsonaro. Muitos viam exageros e despautérios em suas reações. Poucos seguiam suas teorias conspiratórias. Desde o início da crise, a turma se uniu. Os generais do governo passaram a se queixar em conversas de bastidores de decisões do Congresso e do Judiciário que, segundo eles, usurpam poderes do presidente, como a liminar que impediu a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da PF. A nota de Heleno, chancelada pela Defesa, aumenta ainda mais a pressão sobre os outros poderes. Na semana passada, ministros do STF reagiram por meio de declarações contundentes. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, adotou um tom entre conciliador e provocador. Em discurso, o deputado pregou a pacificação, mas ressaltou que o Legislativo, mesmo quando discorda, respeita as decisões da Justiça. A tensão está longe de refluir. “Não teremos outro dia como ontem, chega. Chegamos no limite. Estou com as armas da democracia na mão”, disse Bolsonaro na última quinta, 28, referindo-se à operação do Supremo contra as fake news (veja na pág. 50). Está mais do que na hora de ações maduras — de todos os personagens envolvidos — na busca da convergência, da defesa da democracia e do estado democrático de direito.

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Publicado em VEJA de 3 de junho de 2020, edição nº 2689

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